Em apenas dois meses, pode-se estimar que pelo menos cinco milhões de brasileiros tenham ido às ruas. A maior parte deles, festejando a fé com o Papa Francisco. Outros, reclamando nas passeatas que tomaram as avenidas em quase todos os estados.
Exatamente nesses dois meses, os poderosos do país mostraram que não estão entendendo nada, ou não querem entender.
Aconteceram, ou tornaram-se públicas, as seguintes gracinhas, todas amparadas pela lei. Mesmo nos casos em que o ronco da rua provocou recuos, eles foram apresentados como atos voluntários. Esse é um Brasil que faz tudo de acordo com as normas, suas normas.
Começando pelos tribunais, que vivem um doce momento, embalados pelo julgamento do mensalão: o Tribunal de Contas da União decidiu que 4.900 magistrados têm direito a receber auxílios-alimentação retroativos a 2011. Uma conta de R$ 312 milhões. Um de seus ministros, Raimundo Carreiro, mostrou ao país que sua idade, como a Terra de Galileu, eppur si muove. Para se aposentar como servidor do Senado, nasceu em 1946. Para permanecer no Tribunal, veio ao mundo em 1948.
Exercitando um direito de todos os procuradores, o atual presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, recebeu R$ 580 mil referentes a bônus-moradia e licenças não gozadas. Comprou um apartamento em Miami, avaliado em US$ 480 mil, “modesto”, nas suas palavras, e considera “violação brutal da minha privacidade” a divulgação dessa informação. O ministro tem um apartamento funcional em Brasília, mas, justificando suas viagens ao Rio de Janeiro, informou que faz isso “regularmente há mais de dez anos”, como outros magistrados. Com a viúva pagando.
Passando-se ao Executivo, o custo da maquiagem da doutora Dilma em suas aparições em cadeia nacional de TV passou de R$ 400 para R$ 3.181 em menos de três anos.
Alguns de seus ministros rompem o teto salarial do serviço público (R$ 28.059) com as Bolsas Conselho. Guido Mantega, por exemplo, fatura R$ 43.202 mensais. Tudo dentro da lei.
No Congresso, os doutores Henrique Alves e Renan Calheiros voaram pela JetFAB. Um foi para o Rio e o outro para um casamento. Diante do ronco, indenizaram a Viúva.
Saindo-se do Brasil do andar de cima, no de baixo chega-se à Escola Cândido de Assis Queiroga. Ela fica no município de Paulista, no sertão paraibano, onde vivem 11 mil pessoas. Seu Índice de Desenvolvimento Humano no indicador de educação (0,461) está abaixo da média nacional (0,637).
Lá, Jonilda Alves Ferreira, de 44 anos, formada em Economia, leciona matemática por R$ 1.500 mensais. Ela ensina frações fazendo “vaquinhas” e levando alunos a pizzarias. Qualquer pessoa que vê uma pizza entende o que são frações ordinárias, mas quem provar que se pode nascer em 1946 (para ganhar aposentadoria) e em 1948 (para continuar num cargo) certamente revolucionará as ciências.
A escola da professora Jonilda conseguiu cinco medalhas de ouro, duas de prata e três de bronze na última Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas. Sozinha, acumulou mais prêmios que muitos estados.
A repórter Sabine Righetti perguntou à professora se a escola tem laboratório de informática. Tem, pago, porém parado: “Estamos esperando o técnico para usar os computadores.”
31 de julho de 2013
Elio Gaspari é jornalista.
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