"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

MANDEM A CONTA PARA O LULA

Há um interessante debate sobre a privatização dos aeroportos feita pelo governo Dilma, mas há também o entendimento de que a mudança é positiva.

E desde já, se a coisa funcionar mais ou menos, fica assim: o governo ganha dinheiro com os aeroportos, ao vender as concessões (R$ 26 bilhões numa tacada inicial!) e receber participação nos lucros e ainda consegue turbinar os investimentos nessa área crucial de infraestrutura.

Ou seja, se tivesse feito isso há mais tempo, o governo poderia ter utilizado em outros setores carentes, saúde, por exemplo, o dinheiro que gastou em aeroportos e o que teria recebido nas privatizações.

E o público estaria mais bem servido.

Por que não se fez antes? Porque o então presidente Lula não deixou.

A conversa sobre privatização dos aeroportos não é nova, sobretudo no mundo privado.

No governo FHC, tratouse disso no segundo mandato, quando o presidente já estava desgastado e privatizar era pior do que qualquer outra coisa.

Em suas duas campanhas vitoriosas, Lula voltou a demonizar a privatização, com tal força que os próprios tucanos fugiram dela como diabo da cruz.

Mas no segundo governo Lula, a partir de 2007, o tema voltou, quando a administração lidava com o caos aéreo que explodira no final de 2006.

Foi quando as autoridades finalmente admitiram que todo o sistema aéreo era, literalmente, uma permanente ameaça de desastre: recursos mal administrados; os aeroportos sem estrutura adequada; falta de pessoal especializado, como os controladores de tráfego aéreo; radares com zonas cegas; falhas nas comunicações via rádio.

Feitas as contas, estava na cara que os recursos necessários para atacar todos esses problemas estavam muito acima da capacidade do governo federal.

Conclusão óbvia: era preciso trazer dinheiro, empresas e gente nova para o setor.

Vender concessões era a óbvia saída.

Pelo menos três ministros do governo Lula disseram a este colunista que a privatização era inevitável.
A necessidade venceria as resistências ideológicas.

Modelos foram analisados pelos técnicos da administração federal, alguns chegaram a ser anunciados.
Por exemplo: em julho de 2007, o então ministro da Defesa, Nelson Jobim, deu prazo de 90 dias para que a Agência Nacional de Aviação Civil, Anac, e a Infraero apresentassem o projeto para o terceiro aeroporto de São Paulo.
Ficou pelo caminho.

A coisa simplesmente morreu, não se falou mais nisso.

Já havia então um projeto preparado por um grupo de empresas privadas para a construção desse aeroporto na região de Araucária.

Aliás, o projeto continua de pé, e voltou a ser lembrado agora que o governo fez três concessões privadas de aeroportos já existentes.

Por que não autorizar a construção de um outro, inteiramente e desde o início privado? Resumindo: a presidente Dilma e seu pessoal celebraram os leilões de Guarulhos, Viracopos e Brasília.

Disseram, corretamente, que se inicia uma nova era, com mais investimentos e mais eficiência.

Por que não fizeram antes se todos estavam no governo Lula? Porque Lula disse que tudo se resolveria com o PAC, no qual destinou uns R$ 5 bilhões à Infraero, para os 12 aeroportos da Copa.

Reparem como não fazia sentido além da propaganda.

Só para a privatização de Guarulhos, o governo exigiu da nova concessionária compromisso de investimentos de…

R$ 5 bilhões.

Para Brasília, mais de R$ 8 bilhões.

Resumo da ópera: Lula é responsável por um atraso de cinco anos nessa privatização.

GREVE DE POLICIAIS

Tem ainda uma outra conta para o ex-presidente, a falta de legislação regulando greves de funcionários e de policiais, como essa que assombra a Bahia.

Entre o final de 2006 e o início de 2007, houve uma sequência de greves de servidores públicos da educação, previdência, meio ambiente e também da polícia.

O impacto foi tão negativo que até o presidente Lula reclamou.

Lembram-se? Disse que funcionário público em greve parecia, na verdade, estar em férias, pois não tinha desconto dos dias parados.

Encarregou o então ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, de preparar um projeto regulamentando o tema.
O ministro chegou a anunciar os princípios da nova legislação.

Por exemplo: servidor armado não pode fazer greve; greves têm de ser aprovadas em assembleias com pelo menos dois terços da categoria (a greve dos PMs da Bahia seria ilegal nos dois quesitos); e servidor em greve não recebe salário.
Onde está o projeto? Sumiu.

Os sindicatos de funcionários não gostaram, Lula esqueceu.

É sempre difícil saber como as coisas teriam se passado se outras providências tivessem sido tomadas.

Mas o olhar em retrospectiva mostra, sim, o que deixou de ser feito.

10 de fevereiro de 2012
Autor: Carlos Alberto Sardenberg
Fontes: O Globo

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