Rousseau, a besta, vence John Locke, o civilizado! E no governo de Cameron, o conservador banana
A garantia dos direitos individuais como um valor político inegociável é herança do Iluminismo inglês, não do francês. Esta noção que temos hoje de que o Estado não pode invadir a nossa vida e de que tem de ter seus apetites contidos deriva de John Locke (1632-1704). É o pai do estado liberal. Em contrate, Rousseau (1712-1778), o suíço —francês na formação, na cultura e no pensamento —, era uma besta ao quadrado do coletivismo. Está na raiz, sob qualquer ângulo que se queira, dos totalitarismos do século 20. Não foi o único a revestir de “luzes” um pensamento autoritário, mas foi a mais perfeita tradução dessa perversão.
Não pensem que é um mero acaso o fato de que seja citado ainda hoje em nossas escolas por causa da famosa síntese: “O homem nasce puro; a sociedade é que o corrompe”. O acento da frase, e de sua obra, não estava na pureza original do homem, mas na sociedade como elemento de corrupção, donde se conclui que todos se manterão bons se a sociedade for boa. Para alcançar este objetivo, vale tudo. Até Voltaire (1694-1778), que não pode ser considerado um inspirador do liberalismo, ao ler o “Discurso sobre a Origem e Fundamentos da Desigualdade Entre Homens”, que Rousseau lhe passara, escreveu em carta: “Ao ler o seu texto, a gente se sente tentado a voltar a andar de quatro”.
O Iluminismo inglês, que inventou o indivíduo moderno, é quase ignorado nos livros didáticos. Já o francês é glorificado como fonte de tudo o que se tem de bom hoje em dia.
Na periodização da história, a Revolução Francesa marca o início da “Idade Contemporânea”… Pois é! Os ingleses sempre foram muito ciosos na defesa dos fundamentos do “seu” iluminismo. A França, por motivos que não vou detalhar aqui e que vocês estudaram na escola (se é que o professor não estava ocupado em dar aula de “cidadania”, ensinando que foi Lula quem descobriu o Brasil), nunca foi uma boa referência para os ingleses. Ao menos até a chegada ao poder de David Cameron, esse conservador de meia-pataca.
Quase 250 anos depois daqueles embates, este zé-mané põe o iluminismo inglês de joelhos diante da poça de sangue do iluminismo francês. Rousseau, o bestalhão autoritário, vence Locke, o libertário. Ah, sim, petralhas: não tentem buscar elogios meus a Cameron para evidenciar minhas contradições. É perda de tempo! Há certo tipo de gente que não me engana, ainda que pareça estar do lado em que estou. Adiante.
Por que esta longa introdução? Nadia Eweida, agente de check-in da Britsh Airways, foi suspensa do trabalho em 2006 porque se recusou a tirar um crucifixo que usava durante o expediente. A enfermeira Chaplin Shirley foi demitida pelo mesmo motivo. Ambas recorreram. Perderam nos tribunais ingleses e levaram a questão à Corte Européia de Direitos Humanos — a mesma que decidiu, por 15 a 2, que as escolas italianas têm o direito de exibir crucifixos. E Cameron com isso, o conservador do shortinho limpinho, com seu arzinho asseado de quem jamais fumaria os charutos de Churchill ou tomaria seus uísques? Vai atuar contra as duas!
Elas alegam que estão tendo seus direitos cerceados, uma vez que a lei garante a liberdade religiosa. O argumento para a proibição é de um cinismo escandaloso: a exibição do crucifixo, sustentam a Justiça e o governo britânicos, não é uma obrigação religiosa no cristianismo; logo, se não é, então pode ser proibida. Entenderam o ponto? A Inglaterra de Locke não apenas cede à França de Rousseau e do tarado Robespierre como a supera em estupidez. Os franceses, como sabem, proíbem a exibição de quaisquer símbolos religiosos nas escolas: vale para o véu islâmico ou para o crucifixo. Na Inglaterra, entende-se, então, que é permitido proibir o crucifixo porque a sua exibição no corpo não é uma obrigação religiosa; já o véu islâmico jamais poderia ser proibido — e, na Inglaterra, não é mesmo! — porque, afinal, se trata de uma obrigação…
Tem-se, pois, como desdobramento lógico o seguinte ilogismo: a religião mais liberal na imposição de padrões de comportamento é punida; já a mais restritiva é protegida. Um funcionário islâmico que fosse proibido de manifestar a sua filiação religiosa geraria imediatamente a acusação de “islamofobia”; já a “cristofobia” parece coisa muito normal, necessária e consequência óbvia de um estado laico — ainda que o (a) chefe de estado na Grã-Bretanha seja também chefe da Igreja Anglicana.
A isso chegamos. Assim está sendo tratada a herança cultural cristã, e esse é o entendimento que se tem da liberdade religiosa e do direito de escolha quando o tema é o cristianismo. Alguma surpresa que vagabundos dessa espécie queiram proibir a Divina Comédia? Aquela pilantra que quer banir a obra das escolas italianas é igualmente sensível às culturas e povos que o Islã esmagou na sua expansão? Acho que não! Esses covardes têm medo da fatwa. Por isso silenciam diante da óbvia perseguição aos cristãos promovida hoje em dia em boa parte do planeta. Ao contrário! Em vez de denunciá-la, eles também assumem a condição de perseguidores.
13 de março de 2012
Por Reinaldo Azevedo
Um painel político do momento histórico em que vivem o país e o mundo. Pretende ser um observatório dos principais acontecimentos que dominam o cenário político nacional e internacional, e um canal de denúncias da corrupção e da violência, que afrontam a cidadania. Este não é um blog partidário, visto que partidos não representam idéias, mas interesses de grupos, e servem apenas para encobrir o oportunismo político de bandidos. Não obstante, seguimos o caminho da direita. Semitam rectam.
"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)
"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)
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