Meu avo costumava dizer que a vingança de Getúlio Vargas contra São Paulo foi "plantar aqui um debochado como Adhemar de Barros com o propósito deliberado de destruir a política paulista", missão que ele cumpriu integralmente.
O que ele queria dizer com isso é que uma vez instalado um filtro de seleção negativa pelo qual só o pior é capaz de passar, o padrão imediatamente se espalha por todo o setor público e, daí por diante, as coisas só tendem a piorar pois a cada nova operação de filtragem (eleições e nomeações) a qualidade (ética) dos políticos e administradores públicos piora, "contratando" para a etapa seguinte uma "redada" sempre pior que a anterior.
Não é preciso dizer que dos "maestros" da Nação para baixo o fenômeno vai se reproduzindo e ampliando pois que a cada político corrupto correspondem os respectivos cachoeiras e fernandos cavendish que, tornando-se o novo modelo do "vencedor", passam, por sua vez, a "contratar" contrapartidas privadas dos corruptos públicos também cada vez piores.
Em resumo: abrir as portas do inferno é a coisa mais fácil do mundo; e a mais difícil, depois, é cercar todos os diabos fugidos, tange-los de volta para o inferno e fechar os portões novamente.
Toda vez que olho para a Argentina lembro-me do que meu avo dizia e me passa um frio pela espinha. Quando o nosso vizinho caiu nas mãos do Getúlio deles, ela era a terceira ou quarta economia do mundo. E desde então, já lá vai quase um século, eles não cessam de cair mais e mais, "puxando" para o comando da Nação a cada etapa do processo figuras mais sinistras, como a nos provar que esse ralo não tem fundo e não ha limite para o quanto uma sociedade possa afundar nesse tipo de redemoinho.
O Estado de hoje trazia uma entrevista interessantíssima com o historiador argentino Luís Alberto Romero (aqui) que indicava em que tipo de caverna do inconsciente coletivo argentino dorme o monstro que, sempre que a coisa aperta, a Christina Kirshner da vez vai cutucar para embalar o descenso dos próximos degraus do buraco sem fundo argentino.
Animado pela qualidade da análise de Romero fui ao Google e encontrei o artigo "Estatizar sin Estado", em torno da expropriação da Yacimientos Petrolíferos Fiscales dos espanhóis a quem a Argentina tinha vendido a companhia, que ele publicou ontem no La Nación (aqui), que me pareceu carregado de presságios.
Confira:
"O verdadeiro problema é que o Estado, sujeito desta ação, está amarrotado, desarmado e submetido ao governo. A YPF não está sendo estatizada: está sendo posta nas mãos do governo"
Passava, então, à descrição das etapas históricas desse processo de desvirtuamento do Estado argentino:
"(Alegando a intenção de) promover objetivos gerais (o Estado passou a) conceder franquias que gradualmente foram se transformando em privilégios. Para assegurar esses privilégios os interessados colonizaram as agências do Estado que foram loteadas entre as corporações: a Agricultura para as sociedades rurais, os sindicatos para a CGT, a saúde pública para a corporação dos médicos. Na YPF o sindicato correspondente expandiu enormemente o numero de empregados e alimentou déficit da empresa e do Estado".
(...)
"Nos meados da década de 60, no meio de um colossal conflito distributivo, o Estado era, ao mesmo tempo, o campo de batalha e o butim permanentemente repartido: cada resolução, cada decreto, implicava ganhos perdas importantes para grupos selecionados" (...)
"Começou então o 'segundo peronismo', que governa até hoje, salvo interrupções menores. A crise da hiperinflação ensejou a Menem concentrar fortemente o poder institucional, com leis de emergência e decretos de necessidade e urgência que vêm sendo renovados até hoje. Aproveitou, também, para desativar as agências estatais de controle e para avançar sobre o Judiciário, montando uma Corte Suprema com maioria assegurada. Foi assim que ele colocou o Estado nas mãos do governo" (...)
"A surpreendente transformação das condições internacionais beneficiou (o segundo peronismo) com sólidos superávits comerciais e fiscais. Mas quanto mudou a situação do Estado nessas novas condições?"
"Muito pouco. Os Kirshner aproveitaram os recursos fiscais para aprofundar a concentração de poderes nas mãos do governo. Avançaram também no ataque às instituições de controle do Estado" (...)
"Mantiveram, igualmente, o sistema de distribuição de privilégios. Os subsídios sustentados pelo superávit fiscal beneficiam os empresários e os funcionários que os administram. De modo geral, a fatia que cabe aos políticos cresceu e os meios de controlá-los minguaram" (...)
(...) "Menem e os Kirshner (...) encontraram os meios de aumentar a concentração do poder e de distribuir benesses privatizando primeiro e estatizando depois. Sempre em benefício dos governantes e em detrimento do Estado".
"O país tem hoje um Estado desbastado e fragmentado, governado por um grupo de pessoas que se dedica sistematicamente a arruiná-lo"...
(...) "quem quer que queira pensar uma alternativa para este país terá de encarar, antes de mais nada, o desafio da reconstrução do Estado".
Nenhum comentário:
Postar um comentário