Foi histórico. Pela primeira vez o monarca pediu desculpas publicamente. “Sinto muito, errei e não voltarei a fazer”, disse o rei Juan Carlos, da Espanha. Ele fraturou o quadril ao caçar elefantes em safári em Botsuana, na África. A aventura foi paga por um empresário saudita. Os espanhóis, endividados e desempregados, não perdoaram a extravagância. Gastam com a monarquia o equivalente a R$ 20 milhões por ano. A opinião pública chiou.
No Brasil, será histórico o dia em que ouvirmos desculpas de um senador, um deputado, um empresário, um governador, um presidente, um juiz. A opinião pública brasileira chia cada vez mais forte, como uma manada de elefantes africanos. Encosta na parede instituições que cantavam e andavam para denúncias. O Brasil está cansado das farsas do Cachoeirão, do Mensalão, do Senadão.
A opinião pública quer uma CPI gigante que desmascare os privilégios na classe política. A força cidadã pode ser percebida nas declarações recentes de poderosos. Eles têm reclamado menos da mídia e mais da opinião pública. O clamor popular e apartidário por ética assusta. Gorou a tentativa de cercear a mídia. Tapar a boca do povo nas redes sociais é bem mais complicado que tentar controlar a imprensa. E Dilma defende como um mantra a liberdade de expressão.
Tem gente que anda na contramão. O juiz Cezar Peluso deu uma aula magna de como não se deve sair da história. Desembarcou da presidência do Supremo Tribunal Federal (STF) disparando contra todos. Criticou a corregedora Eliana Calmon por insistir em investigar desvios de juízes: “Que legado ela deixou?”. Disse que Dilma “descumpre e ignora” a Constituição por não dar aumento para o Judiciário. Chamou Joaquim Barbosa de “inseguro”, difícil e vulnerável aos afagos da mídia. E alertou: “É preocupante. Há uma tendência dentro da corte em se alinhar com a opinião pública”.
A mesma oinião pública pressiona por um julgamento sério do mensalão. E acredita na promessa do novo presidente do Supremo, Ayres Britto, de julgar logo a denúncia de que o governo Lula tentou comprar o Parlamento em 2005. Britto, que se aposentará em novembro ao atingir a idade máxima, pretende colocar todos os digníssimos para trabalhar até no recesso de julho, se necessário. Não quer correr o risco de deixar prescrever alguns delitos. A opinião pública concorda. E a ministra Cármen Lúcia também. Ao tomar posse como presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Cármen disse: “Nenhuma lei do mundo substitui a honestidade”.
Consciente da onda de moralidade, o Congresso parece disposto a abrir mão dos 14º e 15º salários para deputados e senadores. Mas o objetivo do sacrifício é menos nobre: derrubar a reforma que enxugaria em até R$ 185 milhões a estrutura da Casa.
Como todo mundo sabe – mas é bom lembrar –, deputados e senadores ganham R$ 26.700 brutos por mês e verbas extras de até R$ 170 mil mensais. Cada um. Cada senador dispõe de 77 funcionários, a maioria nomeada sem concurso. O nepotismo é driblado por um expediente solidário. Um contrata os parentes do outro e fica tudo em “famiglia”. A folha de pagamentos do Senado é de R$ 2,4 bilhões por ano. Como justificar? O que o país ganha em troca?
A opinião pública investe contra as regalias dos congressistas com a persistência de caçadores implacáveis. Nem a CPI de Cachoeira, Demóstenes e companhia acalma esse povo. Quase todos os dias, são espalhados manifestos virtuais com oito sugestões para mudar a Constituição e fazer de um congressista um homem público, e não um potencial lobista. Uma das sugestões mais bem-vindas é que o Congresso deixe de votar seu próprio aumento salarial.
Os magistrados não ficam atrás. Em São Paulo, eles decidiram na quarta-feira receber R$ 29 por dia em auxílio-alimentação. O pagamento será retroativo a 2006. São quase 2.500 juízes. Cada um ganhará R$ 22 mil. A soma total é de R$ 55 milhões. Nós vamos pagar o sopão dos magistrados. Quem vai nos convencer de que os juízes precisam de grana extra para comer?
A opinião pública brasileira se preocupa mais com o Sírio que com a Síria. É natural. No Q.G. do Sírio-Libanês, em São Paulo, Lula e Sarney reúnem políticos aliados no afã de impedir que a cachoeira se transforme num tsunami e inunde o Planalto. Dilma quer muito acreditar em Hillary, que elogiou o combate à corrupção no Brasil. Mas a sétima economia do mundo continua em 73o lugar no ranking da ONG Transparência Internacional.
Ninguém sabe em qual delta todas essas CPIs vão desembocar. A temporada de caça aos elefantes começou, mas, até agora, só uma onça suçuarana foi flagrada no estacionamento do Superior Tribunal de Justiça, em Brasília.
24 de abril de 2012
Ruth de Aquino é colunista de ÉPOCA
No Brasil, será histórico o dia em que ouvirmos desculpas de um senador, um deputado, um empresário, um governador, um presidente, um juiz. A opinião pública brasileira chia cada vez mais forte, como uma manada de elefantes africanos. Encosta na parede instituições que cantavam e andavam para denúncias. O Brasil está cansado das farsas do Cachoeirão, do Mensalão, do Senadão.
A opinião pública quer uma CPI gigante que desmascare os privilégios na classe política. A força cidadã pode ser percebida nas declarações recentes de poderosos. Eles têm reclamado menos da mídia e mais da opinião pública. O clamor popular e apartidário por ética assusta. Gorou a tentativa de cercear a mídia. Tapar a boca do povo nas redes sociais é bem mais complicado que tentar controlar a imprensa. E Dilma defende como um mantra a liberdade de expressão.
Tem gente que anda na contramão. O juiz Cezar Peluso deu uma aula magna de como não se deve sair da história. Desembarcou da presidência do Supremo Tribunal Federal (STF) disparando contra todos. Criticou a corregedora Eliana Calmon por insistir em investigar desvios de juízes: “Que legado ela deixou?”. Disse que Dilma “descumpre e ignora” a Constituição por não dar aumento para o Judiciário. Chamou Joaquim Barbosa de “inseguro”, difícil e vulnerável aos afagos da mídia. E alertou: “É preocupante. Há uma tendência dentro da corte em se alinhar com a opinião pública”.
A mesma oinião pública pressiona por um julgamento sério do mensalão. E acredita na promessa do novo presidente do Supremo, Ayres Britto, de julgar logo a denúncia de que o governo Lula tentou comprar o Parlamento em 2005. Britto, que se aposentará em novembro ao atingir a idade máxima, pretende colocar todos os digníssimos para trabalhar até no recesso de julho, se necessário. Não quer correr o risco de deixar prescrever alguns delitos. A opinião pública concorda. E a ministra Cármen Lúcia também. Ao tomar posse como presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Cármen disse: “Nenhuma lei do mundo substitui a honestidade”.
Consciente da onda de moralidade, o Congresso parece disposto a abrir mão dos 14º e 15º salários para deputados e senadores. Mas o objetivo do sacrifício é menos nobre: derrubar a reforma que enxugaria em até R$ 185 milhões a estrutura da Casa.
Como todo mundo sabe – mas é bom lembrar –, deputados e senadores ganham R$ 26.700 brutos por mês e verbas extras de até R$ 170 mil mensais. Cada um. Cada senador dispõe de 77 funcionários, a maioria nomeada sem concurso. O nepotismo é driblado por um expediente solidário. Um contrata os parentes do outro e fica tudo em “famiglia”. A folha de pagamentos do Senado é de R$ 2,4 bilhões por ano. Como justificar? O que o país ganha em troca?
A opinião pública investe contra as regalias dos congressistas com a persistência de caçadores implacáveis. Nem a CPI de Cachoeira, Demóstenes e companhia acalma esse povo. Quase todos os dias, são espalhados manifestos virtuais com oito sugestões para mudar a Constituição e fazer de um congressista um homem público, e não um potencial lobista. Uma das sugestões mais bem-vindas é que o Congresso deixe de votar seu próprio aumento salarial.
Os magistrados não ficam atrás. Em São Paulo, eles decidiram na quarta-feira receber R$ 29 por dia em auxílio-alimentação. O pagamento será retroativo a 2006. São quase 2.500 juízes. Cada um ganhará R$ 22 mil. A soma total é de R$ 55 milhões. Nós vamos pagar o sopão dos magistrados. Quem vai nos convencer de que os juízes precisam de grana extra para comer?
A opinião pública brasileira se preocupa mais com o Sírio que com a Síria. É natural. No Q.G. do Sírio-Libanês, em São Paulo, Lula e Sarney reúnem políticos aliados no afã de impedir que a cachoeira se transforme num tsunami e inunde o Planalto. Dilma quer muito acreditar em Hillary, que elogiou o combate à corrupção no Brasil. Mas a sétima economia do mundo continua em 73o lugar no ranking da ONG Transparência Internacional.
Ninguém sabe em qual delta todas essas CPIs vão desembocar. A temporada de caça aos elefantes começou, mas, até agora, só uma onça suçuarana foi flagrada no estacionamento do Superior Tribunal de Justiça, em Brasília.
24 de abril de 2012
Ruth de Aquino é colunista de ÉPOCA
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