CPI dos Correios, a lição e o inferno de Delcídio Amaral. Senador petista lembra em entrevista a VEJA.com os "dias duríssimos" da comissão que presidiu e que embasou a acusação da Procuradoria-Geral da República contra próceres de seu próprio partido
Delcídio e a papelada da CPI dos Correios, em imagem de julho de 2005: para surpresa do PT, senador enfrentou pressões e ameaças e levou até o fim as investigações com equilíbrio e correção (Celso Junior/Agência Estado)
Contam-se nos dedos as CPIs que não acabaram em pizza. A dos Correios, uma das três comissões parlamentares que trataram do mensalão, é uma dessas honrosas exceções que só confirmam a regra.
Seu relatório final, assinado pelo deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR), apontou sem ambiguidades o envolvimento dos mensaleiros e embasou as acusações da Procuradoria-Geral da República, que o Supremo Tribunal Federal, passados seis anos, está prestes a julgar.
A tropa de choque lulista bem que tentou melar a CPI dos Correios.
Contava poder influenciar o presidente da comissão, o senador petista Delcídio Amaral (MS), então em seu primeiro mandato. Errou no cálculo. Delcídio conduziu a investigação com correção e equilíbrio, resistiu às pressões e, para desespero do Planalto, não se furtou a pôr o relatório de Serraglio em votação.
O governo perdeu por 17 a 4. "Surpreendi o PT", admite o senador, em entrevista a VEJA.com.
A reação do deputado federal Jorge Bittar (PT-RJ), atual secretário de habitação da Prefeitura do Rio, ilustra bem a "surpresa" da base aliada. Em plenário, dedo em riste, dirigiu-se da seguinte maneira ao colega de partido: "Judas, traidor, filho da p...!".
"Foram dias duríssimos", diz Delcídio, sobre os dez meses da CPI que o tornou uma celebridade - e lhe valeu a alcunha "Antônio Fagundes do Pantanal". "Minha vida virou um inferno." Entenda-se: Delcídio foi pressionado, ameaçado, espionado e, por fim, abandonado à própria sorte na disputa pelo governo do Mato Grosso do Sul, em 2006. "Política é assim", resigna-se.
Sem contar com o apoio de Lula nem do então governador e colega de partido, Zeca do PT, Delcídio acabou perdendo a eleição para André Puccinelli, do PMDB - aquele que ameaçou estuprar em praça pública o ex-ministro de Lula Carlos Minc.
"Agora é com o Supremo" - Delcídio guarda uma espécie de diário da crise, que espera transformar em livro. Mas não antes do julgamento no STF. Cerca-se de cuidados ao comentar o maior escândalo da história do país. "Se o mensalão existiu ou não, agora é o Supremo Tribunal Federal que vai dizer", diz. Mas não esconde o orgulho pelos resultados da CPI. "Desde o início falei que ia procurar fazer um trabalho isento - disse isso para o próprio Lula, quando fui escolhido pra comandar a CPI", conta Delcídio.
"E nós cumprimos nosso papel: produzimos num curto espaço de tempo um material que serviu de base para esse julgamento."
O relatório final da CPI dos Correios é dividido em três volumes, somando 1.857 páginas. No primeiro, aborda-se especificamente o caso dos Correios. No segundo, o valerioduto (com os itens 'Mensalão: uma realidade' e 'Mensalão não é caixa 2'). No terceiro e último volume, trata-se do caso de outras estatais e dos fundos de pensão.
Ao final, com citações a Churchill, Tocqueville e Padre Vieira, conclui-se pelo indiciamento de mais de cem pessoas, incluindo o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares, o operador do mensalão, Marcos Valério, o tucano Eduardo Azeredo e o publicitário Duda Mendonça.
Depoimento-bomba - Duda, aliás, protagonizou o momento mais tenso da comissão, na memória de Delcídio. "Seu depoimento foi absolutamente surpreendente. Aquilo podia virar tudo". Em 11 de agosto de 2005, o publicitário admitiu ter recebido milhões do caixa 2 do PT, via Marcos Valério, nas Bahamas. No plenário, seis deputados petistas que assistiam ao depoimento-bomba foram às lágrimas.
"Entramos em parafuso", dizia Ricardo Berzoini (PT-SP), enquanto Valério tentava desmentir Duda, em depoimento simultâneo prestado a outra comissão, a do Mensalão. Naquele dia, os petistas foram consolados por um pefelista, José Thomaz Nonô (AL), que subiu à tribuna para dizer: "Este é um dia triste para todos nós". Foi quando o então presidente Lula decidiu fazer um pronunciamento na TV, em que disse sentir-se "traído por práticas inaceitáveis". Até hoje não se sabe quem o traiu.
Duda está entre os 38 réus do mensalão. É acusado, junto com sua sócia, Zilmar Fernandes, de lavagem de dinheiro e evasão de divisas. Isso não impediu que Delcídio o chamasse para fazer sua bem-sucedida campanha de 2010, quando se reelegeu senador. "Ele é um profissional muito competente", diz. "Refleti bastante sobre isso. Duda não foi julgado."
Lições - Para além das pressões políticas, a CPI dos Correios correu o risco de encalhar no próprio volume de documentos e testemunhos escandalosos. Delcídio lembra que, para avançar na investigação e cumprir com os prazos, a comissão se valeu de uma boa articulação com outros órgãos de controle, como o Contraladoria-Geral da União, Tribunal de Contas da União, Ministério Público e Polícia Federal. Contou também, ele diz, o fato de que os partidos indicaram para a comissão seus principais quadros.
Delcídio gosta de lembrar que a CPI foi além de expor maracutaias e propôs uma série de recomendações, propostas de emenda constitucional e projetos de lei, entre as quais o texto que aperta a fiscalização sobre os fundos, que tramita na Câmara, e o que aperfeiçoa os pregões eletrônicos, que está no Senado. "Apresentamos uma agenda de transparência, com sugestões para melhorar, por exemplo, a relação com o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) e o Banco Central."
O senador petista garante que a CPI dos Correios foi uma lição. "Alguns podem até não admitir, para não dar a mão à palmatória, mas todo mundo aprendeu."
Não parece. Dada a fúria com que a ala lulista do Congresso tenta manipular a presente CPI do Cachoeira, como forma de atingir a oposição e embaraçar o julgamento do mensalão, pode-se deduzir que os governistas esqueceram que uma das marcas das comissões de inquérito é, justamente, sua imprevisibilidade (o bicheiro vai “explodir” e contar tudo?). E que nem todo mundo está disposto a submeter sua biografia aos caprichos de um partido. Ainda bem.
Daniel Jelin - Veja Online
15 de maio de 2012
Delcídio e a papelada da CPI dos Correios, em imagem de julho de 2005: para surpresa do PT, senador enfrentou pressões e ameaças e levou até o fim as investigações com equilíbrio e correção (Celso Junior/Agência Estado)
Contam-se nos dedos as CPIs que não acabaram em pizza. A dos Correios, uma das três comissões parlamentares que trataram do mensalão, é uma dessas honrosas exceções que só confirmam a regra.
Seu relatório final, assinado pelo deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR), apontou sem ambiguidades o envolvimento dos mensaleiros e embasou as acusações da Procuradoria-Geral da República, que o Supremo Tribunal Federal, passados seis anos, está prestes a julgar.
A tropa de choque lulista bem que tentou melar a CPI dos Correios.
Contava poder influenciar o presidente da comissão, o senador petista Delcídio Amaral (MS), então em seu primeiro mandato. Errou no cálculo. Delcídio conduziu a investigação com correção e equilíbrio, resistiu às pressões e, para desespero do Planalto, não se furtou a pôr o relatório de Serraglio em votação.
O governo perdeu por 17 a 4. "Surpreendi o PT", admite o senador, em entrevista a VEJA.com.
A reação do deputado federal Jorge Bittar (PT-RJ), atual secretário de habitação da Prefeitura do Rio, ilustra bem a "surpresa" da base aliada. Em plenário, dedo em riste, dirigiu-se da seguinte maneira ao colega de partido: "Judas, traidor, filho da p...!".
"Foram dias duríssimos", diz Delcídio, sobre os dez meses da CPI que o tornou uma celebridade - e lhe valeu a alcunha "Antônio Fagundes do Pantanal". "Minha vida virou um inferno." Entenda-se: Delcídio foi pressionado, ameaçado, espionado e, por fim, abandonado à própria sorte na disputa pelo governo do Mato Grosso do Sul, em 2006. "Política é assim", resigna-se.
Sem contar com o apoio de Lula nem do então governador e colega de partido, Zeca do PT, Delcídio acabou perdendo a eleição para André Puccinelli, do PMDB - aquele que ameaçou estuprar em praça pública o ex-ministro de Lula Carlos Minc.
"Agora é com o Supremo" - Delcídio guarda uma espécie de diário da crise, que espera transformar em livro. Mas não antes do julgamento no STF. Cerca-se de cuidados ao comentar o maior escândalo da história do país. "Se o mensalão existiu ou não, agora é o Supremo Tribunal Federal que vai dizer", diz. Mas não esconde o orgulho pelos resultados da CPI. "Desde o início falei que ia procurar fazer um trabalho isento - disse isso para o próprio Lula, quando fui escolhido pra comandar a CPI", conta Delcídio.
"E nós cumprimos nosso papel: produzimos num curto espaço de tempo um material que serviu de base para esse julgamento."
O relatório final da CPI dos Correios é dividido em três volumes, somando 1.857 páginas. No primeiro, aborda-se especificamente o caso dos Correios. No segundo, o valerioduto (com os itens 'Mensalão: uma realidade' e 'Mensalão não é caixa 2'). No terceiro e último volume, trata-se do caso de outras estatais e dos fundos de pensão.
Ao final, com citações a Churchill, Tocqueville e Padre Vieira, conclui-se pelo indiciamento de mais de cem pessoas, incluindo o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares, o operador do mensalão, Marcos Valério, o tucano Eduardo Azeredo e o publicitário Duda Mendonça.
Depoimento-bomba - Duda, aliás, protagonizou o momento mais tenso da comissão, na memória de Delcídio. "Seu depoimento foi absolutamente surpreendente. Aquilo podia virar tudo". Em 11 de agosto de 2005, o publicitário admitiu ter recebido milhões do caixa 2 do PT, via Marcos Valério, nas Bahamas. No plenário, seis deputados petistas que assistiam ao depoimento-bomba foram às lágrimas.
"Entramos em parafuso", dizia Ricardo Berzoini (PT-SP), enquanto Valério tentava desmentir Duda, em depoimento simultâneo prestado a outra comissão, a do Mensalão. Naquele dia, os petistas foram consolados por um pefelista, José Thomaz Nonô (AL), que subiu à tribuna para dizer: "Este é um dia triste para todos nós". Foi quando o então presidente Lula decidiu fazer um pronunciamento na TV, em que disse sentir-se "traído por práticas inaceitáveis". Até hoje não se sabe quem o traiu.
Duda está entre os 38 réus do mensalão. É acusado, junto com sua sócia, Zilmar Fernandes, de lavagem de dinheiro e evasão de divisas. Isso não impediu que Delcídio o chamasse para fazer sua bem-sucedida campanha de 2010, quando se reelegeu senador. "Ele é um profissional muito competente", diz. "Refleti bastante sobre isso. Duda não foi julgado."
Lições - Para além das pressões políticas, a CPI dos Correios correu o risco de encalhar no próprio volume de documentos e testemunhos escandalosos. Delcídio lembra que, para avançar na investigação e cumprir com os prazos, a comissão se valeu de uma boa articulação com outros órgãos de controle, como o Contraladoria-Geral da União, Tribunal de Contas da União, Ministério Público e Polícia Federal. Contou também, ele diz, o fato de que os partidos indicaram para a comissão seus principais quadros.
Delcídio gosta de lembrar que a CPI foi além de expor maracutaias e propôs uma série de recomendações, propostas de emenda constitucional e projetos de lei, entre as quais o texto que aperta a fiscalização sobre os fundos, que tramita na Câmara, e o que aperfeiçoa os pregões eletrônicos, que está no Senado. "Apresentamos uma agenda de transparência, com sugestões para melhorar, por exemplo, a relação com o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) e o Banco Central."
O senador petista garante que a CPI dos Correios foi uma lição. "Alguns podem até não admitir, para não dar a mão à palmatória, mas todo mundo aprendeu."
Não parece. Dada a fúria com que a ala lulista do Congresso tenta manipular a presente CPI do Cachoeira, como forma de atingir a oposição e embaraçar o julgamento do mensalão, pode-se deduzir que os governistas esqueceram que uma das marcas das comissões de inquérito é, justamente, sua imprevisibilidade (o bicheiro vai “explodir” e contar tudo?). E que nem todo mundo está disposto a submeter sua biografia aos caprichos de um partido. Ainda bem.
Daniel Jelin - Veja Online
15 de maio de 2012
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