Vivemos época em
que, quando uma palavra se deteriora, basta trocá-la por outra. Negro virou
afrodescendente, comunista virou ecologista, homossexual virou homoafetivo.
Quando essas palavras se desgastarem, é fácil: basta criar outras.
Quem não lembra da Fundação Estadual para o Bem Estar do Menor, a antiga FEBEM? A função desta entidade era executar as medidas socioeducativas aplicadas pelo Poder Judiciário aos adolescentes autores de atos infracionais com idade de 12 a 21 anos incompletos, conforme determina o famigerado Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que trata assassinos como menininhos mal-comportados, vítimas de uma sociedade malvada. A palavra gerou o substantivo febenzinho, aqueles menores que andam em bandos pelas ruas e com carteirinha de 007, isto é, licença para matar.
Febem tornou-se palavra sinônima de crime e ao mesmo tempo impunidade. Para fugir ao desgaste do nome, que já tem trinta anos, em 2006 o governador Cláudio Lembo propos trocar o nome para Casa (Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente). O Rio Grande do Sul também se revelou ágil em matéria de dourar a pílula e passou a chamar a Febem de Fase (Fundação de Atendimento Sócioeducativo). Não temos mais febenzinhos no país. Teremos agora casinhas, fasinhas. Até que a nova nomenclatura se desmoralize. Aí, em vez de mandar os criminosos juvenis para prisão firme, troca-se de novo o nome da instituição. Como se mudando o nome da mosca, mudasse a realidade sobre a qual ela paira.
Existe uma tendência nas esquerdas contemporâneas de absolver todo e qualquer crime. Crime não é crime. É doença. Logo, criminoso não é um criminoso que precisa ser punido. É um doente que precisa ser tratado. De onde vem esta perversão, confesso que não sei. Arrisco palpites. Talvez da longa convivência com a Igreja Católica, que não lida com o conceito de crime. E sim com o de pecado. Para quem peca, basta uma confissão e um ato de contrição e estamos quites com a sociedade e com as vítimas. Padres pedófilos não são criminosos, mas homens doentes que devem ser tratados e são merecedores de perdão. Você pode ter matado sua mãe. Mas se manifestar seu arrependimento ante um sacerdote, está livre de qualquer sanção. Se matar sua mãe e for menor de idade, não é um assassino. Mas um adolescente autor de ato infracional. Mais ainda: sai da Casa de ficha limpa.
Não bastasse essa filosofia barata de esquerda ver doença quando se trata de crime, a psicanálise – ou pelo menos um psicanalista – vê no crime uma manifestação de talento. Ano passado, um menor de 14 anos foi apreendido pela 17ª vez, depois de ser detido ao volante de um carro furtado em Cidade Ademar. Sendo menor, não foi para a cadeia. Foi pra Casa. Especialista em adolescentes em conflito com a lei, o psicanalista Jorge Broide disse na ocasião que o garoto tinha um talento que precisava ser aproveitado e podia ser transformado numa coisa útil para ele e para a sociedade. A obsessão por carros, por exemplo, poderia revelar uma capacidade inata por mecânica ou competições de corrida.
- Isso não é visto como um talento. A posição do Estado é repressiva, apreendeu 17 vezes e não adiantou nada. A Justiça falha ao não ver o talento desse menino. É mais fácil criminalizar.
Traduzindo: se o Estado prende um criminoso 17 vezes e não adianta nada, o melhor que se tem a fazer é reconhecer no criminoso algum talento e encaminhá-lo a uma profissão compatível com sua especialidade. Quantos talentos foram perdidos com a política repressiva do Estado! Quantas vocações para açougueiro ou sushiman foram desperdiçadas só porque o malvado Estado põe na cadeia quem esfaqueia a própria mãe.
Quantos séculos serão necessários para a sociedade redimir-se da injustiça contra Chico Picadinho, o capixaba que esquartejou duas mulheres? Seu erro terá sido esquartejar apenas duas. Se manifestasse sua compulsão pela repetição, na ótica do psicanalista Broide, teria um talento que precisava ser aproveitado e podia ser transformado numa coisa útil para ele e para a sociedade.
Não por acaso, a defesa de Chico Picadinho – que cumpre quarenta anos na Casa de Custódia de Taubaté - encaminhou, em agosto do ano passado, queixa à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da Organização dos Estados Americanos (OEA), que ainda não se manifestou a respeito. “Manter um homem em pena perpétua pela mera presunção de que ele possa vir a cometer um crime é um absurdo que, como legalista, não posso admitir”, diz o criminalista paulistano Flávio Markman. Picadinho esquartejou sua segunda vítima após cumprir seis anos em uma colônia penal em Bauru e sair em liberdade condicional por bom comportamento em 1974. Sua defesa pede uma terceira chance. Para Chico exercer seu talento.
Esta leniência com o crime acaba de ser reforçada com recente decisão das autoridades paulistas. A partir de terça-feira passada, todo “hóspede” da Casa (antiga Febem, se alguém ainda lembra) já pode receber visitas íntimas em todas as unidades do Estado desde que cumpra exigências da instituição. Segundo a Fundação Casa, só podem usufruir do benefício os internos, homens ou mulheres, maiores de 14 anos que forem casados ou tiverem uma união estável. As visitas poderão ocorrer duas vezes por mês pelo período máximo de duas horas.
Ora, desde quando adolescente é casado ou tem relação estável? O desembargador da Infância e da Juventude do Tribunal de Justiça paulista, Antonio Carlos Malheiros, defende a medida inclusive para namorados. "Eu não entendo que isso seja correto ou incorreto. Mas já que o adolescente tem esse relacionamento lá fora, por que não ter lá dentro?", indaga.
E nisto estamos. O “adolescente infrator”, que provavelmente nem dispunha de quatro paredes para um encontro íntimo, tem agora quarto garantido pelo Estado para fazer sexo. Quanto ao cidadão comum, que jamais matou ou roubou, se não tiver local próprio, que pague motel.
11 de maio de 2012
janer cristaldo
Quem não lembra da Fundação Estadual para o Bem Estar do Menor, a antiga FEBEM? A função desta entidade era executar as medidas socioeducativas aplicadas pelo Poder Judiciário aos adolescentes autores de atos infracionais com idade de 12 a 21 anos incompletos, conforme determina o famigerado Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que trata assassinos como menininhos mal-comportados, vítimas de uma sociedade malvada. A palavra gerou o substantivo febenzinho, aqueles menores que andam em bandos pelas ruas e com carteirinha de 007, isto é, licença para matar.
Febem tornou-se palavra sinônima de crime e ao mesmo tempo impunidade. Para fugir ao desgaste do nome, que já tem trinta anos, em 2006 o governador Cláudio Lembo propos trocar o nome para Casa (Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente). O Rio Grande do Sul também se revelou ágil em matéria de dourar a pílula e passou a chamar a Febem de Fase (Fundação de Atendimento Sócioeducativo). Não temos mais febenzinhos no país. Teremos agora casinhas, fasinhas. Até que a nova nomenclatura se desmoralize. Aí, em vez de mandar os criminosos juvenis para prisão firme, troca-se de novo o nome da instituição. Como se mudando o nome da mosca, mudasse a realidade sobre a qual ela paira.
Existe uma tendência nas esquerdas contemporâneas de absolver todo e qualquer crime. Crime não é crime. É doença. Logo, criminoso não é um criminoso que precisa ser punido. É um doente que precisa ser tratado. De onde vem esta perversão, confesso que não sei. Arrisco palpites. Talvez da longa convivência com a Igreja Católica, que não lida com o conceito de crime. E sim com o de pecado. Para quem peca, basta uma confissão e um ato de contrição e estamos quites com a sociedade e com as vítimas. Padres pedófilos não são criminosos, mas homens doentes que devem ser tratados e são merecedores de perdão. Você pode ter matado sua mãe. Mas se manifestar seu arrependimento ante um sacerdote, está livre de qualquer sanção. Se matar sua mãe e for menor de idade, não é um assassino. Mas um adolescente autor de ato infracional. Mais ainda: sai da Casa de ficha limpa.
Não bastasse essa filosofia barata de esquerda ver doença quando se trata de crime, a psicanálise – ou pelo menos um psicanalista – vê no crime uma manifestação de talento. Ano passado, um menor de 14 anos foi apreendido pela 17ª vez, depois de ser detido ao volante de um carro furtado em Cidade Ademar. Sendo menor, não foi para a cadeia. Foi pra Casa. Especialista em adolescentes em conflito com a lei, o psicanalista Jorge Broide disse na ocasião que o garoto tinha um talento que precisava ser aproveitado e podia ser transformado numa coisa útil para ele e para a sociedade. A obsessão por carros, por exemplo, poderia revelar uma capacidade inata por mecânica ou competições de corrida.
- Isso não é visto como um talento. A posição do Estado é repressiva, apreendeu 17 vezes e não adiantou nada. A Justiça falha ao não ver o talento desse menino. É mais fácil criminalizar.
Traduzindo: se o Estado prende um criminoso 17 vezes e não adianta nada, o melhor que se tem a fazer é reconhecer no criminoso algum talento e encaminhá-lo a uma profissão compatível com sua especialidade. Quantos talentos foram perdidos com a política repressiva do Estado! Quantas vocações para açougueiro ou sushiman foram desperdiçadas só porque o malvado Estado põe na cadeia quem esfaqueia a própria mãe.
Quantos séculos serão necessários para a sociedade redimir-se da injustiça contra Chico Picadinho, o capixaba que esquartejou duas mulheres? Seu erro terá sido esquartejar apenas duas. Se manifestasse sua compulsão pela repetição, na ótica do psicanalista Broide, teria um talento que precisava ser aproveitado e podia ser transformado numa coisa útil para ele e para a sociedade.
Não por acaso, a defesa de Chico Picadinho – que cumpre quarenta anos na Casa de Custódia de Taubaté - encaminhou, em agosto do ano passado, queixa à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da Organização dos Estados Americanos (OEA), que ainda não se manifestou a respeito. “Manter um homem em pena perpétua pela mera presunção de que ele possa vir a cometer um crime é um absurdo que, como legalista, não posso admitir”, diz o criminalista paulistano Flávio Markman. Picadinho esquartejou sua segunda vítima após cumprir seis anos em uma colônia penal em Bauru e sair em liberdade condicional por bom comportamento em 1974. Sua defesa pede uma terceira chance. Para Chico exercer seu talento.
Esta leniência com o crime acaba de ser reforçada com recente decisão das autoridades paulistas. A partir de terça-feira passada, todo “hóspede” da Casa (antiga Febem, se alguém ainda lembra) já pode receber visitas íntimas em todas as unidades do Estado desde que cumpra exigências da instituição. Segundo a Fundação Casa, só podem usufruir do benefício os internos, homens ou mulheres, maiores de 14 anos que forem casados ou tiverem uma união estável. As visitas poderão ocorrer duas vezes por mês pelo período máximo de duas horas.
Ora, desde quando adolescente é casado ou tem relação estável? O desembargador da Infância e da Juventude do Tribunal de Justiça paulista, Antonio Carlos Malheiros, defende a medida inclusive para namorados. "Eu não entendo que isso seja correto ou incorreto. Mas já que o adolescente tem esse relacionamento lá fora, por que não ter lá dentro?", indaga.
E nisto estamos. O “adolescente infrator”, que provavelmente nem dispunha de quatro paredes para um encontro íntimo, tem agora quarto garantido pelo Estado para fazer sexo. Quanto ao cidadão comum, que jamais matou ou roubou, se não tiver local próprio, que pague motel.
11 de maio de 2012
janer cristaldo
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