"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sexta-feira, 11 de maio de 2012

SEM PAI NEM MÃE


Dora Kramer

Tantas campanhas ditas politicamente corretas e factualmente incorretas são difundidas pela internet e repercutem fora dela que não custava nada essa massa em estado de rebeldia à deriva abraçar um bom combate.

Há várias causas à disposição de soldados efetivamente interessados no aperfeiçoamento da nossa ainda imperfeita democracia. Um exemplo? O fim do voto secreto no Congresso, ao menos para os casos de cassação de mandatos comprovadamente incompatíveis com o decoro parlamentar.

O assunto de quando em vez volta à discussão no Parlamento.
Sempre que há algum escândalo envolvendo deputados e/ou senadores, ou quando assistimos a alguma absolvição escandalosa.

A última, em 2011, favoreceu a deputada Jaqueline Roriz, flagrada em vídeo recebendo dinheiro de origem desconhecida pelas mãos de um conhecido frequentador ─ Durval Barbosa, o delator e participante do esquema que resultou na queda do então governador do DF, José Roberto Arruda ─ de terrenos onde a política se mistura à corrupção.

Em 2006, em meio a renúncias e absolvições de parlamentares envolvidos no escândalo do mensalão, a Câmara aprovou o fim do voto secreto. Foram 383 votos a favor, nenhum contra e quatro abstenções, em primeiro turno.

Na época houve muita animação e apoio à decisão. Mas o tempo passou, o clima de indignação arrefeceu e a coisa por ali ficou faltando completar o processo de votação na Câmara e remeter a proposta ao Senado.

Agora com o caso do senador Demóstenes Torres volta-se a debater o assunto, embora timidamente. É que a situação dele é tão grave, há tanta intolerância em relação ao disfarce de defensor da ética, são tantos os inimigos que o senador colecionou por causa desse papel e é tão inconsistente (senão inexistente) sua sustentação política, que o corporativismo dificilmente prosperará ao abrigo do voto secreto, quando o processo for ao exame do plenário no Senado.

Portanto, ainda não será dessa vez que uma crise resultará em avanço e o voto secreto no Parlamento continuará servindo de salvaguarda a representantes da sociedade que não desejam dar satisfações aos seus representados.

Note-se, então, que esse assunto se inscreve entre aqueles passíveis de intervenção popular. Energia solta no ar há de sobra. Pena que em boa medida desajeitada e por isso desperdiçada.

Falta compreensão para distinguir o que realmente é importante para a melhoria do processo político daquilo que tanto serve para aplacar consciências de inocentes úteis, quanto presta serviço ao (não raro remunerado) ofício da má-fé.

11 de maio de 2012
Dora Kramer
Estadão

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