PARIS – Domingo, 3 da tarde, almoçávamos no Café-Restaurante Les Editeur, no Odeon, boulevard Saint German, aqui no centro de Paris, esperando o fim da votação do segundo turno das eleições presidenciais, para assistirmos os resultados na sede do Partido Socialista , ali perto.
Na mesa ao lado, três mulheres elegantes e um rapaz. De repente o celular de uma delas, a mais velha, loura, anunciou uma mensagem. Eram exatamente 16 horas. Ela pegou o telefone, leu e começou a xingar. A televisão da Belgica acabava de dar a vitoria de François Hollande.
Aqui na França há uma legislação ridícula. As urnas fecham às 18 horas, mas é proibido divulgar resultado, mesmo de pesquisas de boca de urna, antes das 20 horas. Então cria-se uma situação kafkiana. Os estúdios de televisão no ar, preparados para a grande notícia. Mas proibidos.
Desde s 16 horas as TVs da Belgica e Suiça já estão antecipando os resultados das derradeiras pesquisas. Às 18 horas todos já têm os números finais franceses. Mas os pobres apresentadores da TV, os Willian Bonner e Patricia Poeta, com cara de tacho, esperando as demoradas 20 horas.
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BASTILHA
Só o povo não esperava. Desde as 19 horas, nas ruas, multidões com suas bandeiras e carros já se dirigiam para a rua Solferino, sede do Partido Socialista, ou para a gloriosa e imensa praça da Bastilha, que em 1981 já recebera François Mitterrand e agora receberia seu aluno François Hollande. que votara na sua cidade no interior e vinha chegando, de avião, para mais um cortejo até a praça. Uma noite delirante em Paris.
A diferença entre ele e Nikolas Sarkozy, que tentava a reeleição, foi mínima: 51,63% contra 48,37%. Em 1981, o ex-presidente François Mitterrand, amigo, líder e mentor político de Hollande, ganhou com 51,8%.
A França sempre foi assim: uma laranja de duas bandas, ao meio.
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DE GAULLE
Por que Hollande ganhou? Desde 1948, um pequeno e sábio livro, uma bíblia política, “Doctrine Politique” (Ed. Rocheur), havia respondido:
-“O liberalismo tornou-se inconcebível, insuportável para o mundo e especialmente para a França hoje. O velho liberalismo não é o caminho econômico e social para a França. A questão social tem de ser colocada em primeiro lugar. Os povos têm direito de dispor inteiramente de si, não para enriquecer oligarquias internas e externas. Para libertar o homem”.
Assinado, Charles De Gaulle, o herói da França.
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JACQUES ATTALI
Em 90, Adido Cultural aqui em Paris, o universal Delfim me disse:
-“Procure conhecer o trabalho e as obras do professor Jacques Attali. É o mais interessante dos novos intelectuais franceses”.
Com 70 anos e todos os títulos do jornalismo e da universidade, ele é hoje o mais consagrado e múltiplo intelectual da França. Tem livros imperdíveis: “Os Judeus, o Dinheiro e o Mundo” (Ed Saraiva), “Dicionário do Século XXI” (Ed Record), “Phares” (Ed Flamarion). Na véspera da eleição, apesar de a revista “L’Express”, a “Vejona” daqui, ser do grupo Dassault, dos aviões “Airbus” e “Rafale”, e dono do jornal “Figaro ”, o mais reacionário, Jacques Attali
escreveu um artigo retumbante:
-“Porque votarei Hollande Domingo”. Era um aval e um comício.
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HOLLANDE
1 – “Conheço muito bem cada um dos dois candidatos. Um desde 1980, o outro desde 1982. Trabalhei com os dois. Tornaram-se, para mim, amigos. E continuaram. Por isso votarei domingo em François Hollande”.
2- “O período que começa será muito difícil. O mundo será cada vez mais competitivo. O presidente que sai não me parece o melhor preparado para enfrentar esta situação. Primeiro, por causa de seu balanço. Alguns dirão que ele não podia fazer mais em razão da crise financeira mundial. Não penso assim: a crise não o impedia de reformar bastante o Estado, não o obrigava a reduzir as receitas fiscais sem diminuir as despesas públicas”.
3 – “François Hollande é o melhor candidato. Eu o conheço bem há longo tempo para poder garantir sua competência, sua transparência, sua cultura, sua seriedade, sua força moral. Seu programa e sua estratégia correspondem, muito mais que os de Sarkozy, ao que o país precisa hoje, ser unido , ser juntado. Reunir duravelmente todas as forcas da Franca”.
É por isso também que votei nele. Quer dizer, teria votado.
11 de maio de 2012
Sebastião Nery
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