O PESCOÇO DE SARKOZY
PARIS – Aqui de cima, Maria Antonieta disse que, se o povo não tinha pão, que comesse brioche. Também não havia brioche. Comeram o reino dela, o pescoço dela, do marido dela, da família dela. Só restou o rei sobre seu cavalo, na frente do palácio. E a nevoa desmanchando a tarde e compondo a noite, como o tempo que desmanchou a eternidade deles.
Já lá se vão mais de 50 anos, quando volto a Paris venho a Versailles. Aqui tudo começou. Aqui a revolução francesa fez com sangue o parto da democracia. O mundo deve muito ao pescoço da bela Antonieta. Do alto dessas janelas que vêem o infinito sobre jardins desenhados e lagos mansos, bosques de pé e campos deitados, Luis XVI e Maria Antonieta jamais imaginaram que tudo ia se acabar levando seus imperiais pescoços.
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MARIA ANTONIETA
Em frente ao palácio, dois prédios: um era a estrebaria do rei, o outro a estrebaria da rainha. Lá ficavam seus cavalos e éguas. O povo, longe. Versailles era o “chateau” onde o rei e a rainha passavam fins de semana e férias, e, quando começou a revolução, se escondiam da fúria do povo.
Nas primaveras, um sol envergonhado chega e vai logo embora. As tardes ficam cobertas por uma bruma fria que desce sobre as arvores secas. As folhas vão caindo devagar, como nobres e tontas lágrimas douradas.
Hoje há alamedas enevoadas, de faróis acesos e turistas encapotados. Só faltam mesmo, ali nos salões, quartos, pátios e corredores imensos, eles, os reis e seus nobres de roupas complicadas e cabelos encaracolados.
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ROBESPIERRE
Isso aqui é uma Universidade do poder. Ninguém, por mais poderoso, é divino e eterno. Quem derrubou o rei também pensou que era.
Robespierre, 30 anos, furioso à frente das multidões, proclamou-se “Pontífice do Ser Supremo”, vestiu uma bata longa, cintilante, pôs um barrete frigio de cardeal e desfilou em Paris à frente de todos. Nas mãos, rosas e espigas, como em um “gala-gay”. E de 24 de outubro de 1793 a 27 de junho de 1794, oito meses, Robespierre cortou a cabeça, na guilhotina, de 2.596 pessoas. No interior, outro tanto. Até que cortaram a dele também.
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BOLIVAR
Engano pensar que só nas tiranias nascem tiranos. Também nas democracias. O grego Sófocles, 500 anos antes de Cristo, avisou no Édipo que “o tirano nasce do ventre da insolência e não sai pela própria vontade”.
O russo Dostoievski, que sofreu a tirania nos grilhões da “Casa dos Mortos”, sua prisão na Sibéria que estive visitando, ensinou que “a tirania a tal ponto se dilata que acaba virando doença”.
Herói da unidade sulamericana, Bolívar avisou: – “Nada tão perigoso como deixar alguém no poder por muito tempo. O povo acostuma-se a obedecer e ele a mandar, de onde se originam a usurpação e a tirania”.
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SARCOZY
Há cinco anos, Nikolas Sarkozy, filhote da direita francesa, derrotou a candidata do partido Socialista Segolene Royal. Um de seus argumentos é que François Mitterrand havia ficado 14 anos, dois mandatos de sete anos, no poder, e que a democracia prefere ou exige alternância.
Cinco anos presidente, Sarkozy se desespera, nesta véspera do segundo turno (domingo), porque as pesquisas dão a Francois Hollande 55%, 54% ou 53%, enquanto ele não passa de 45%, 46% ou 47%.
A França sabe por que Sarkozy ficou indefensável, inelegível.
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MITTERRAND
Em 1965, o general De Gaulle deixou o governo com 54% de aprovação (35% de desaprovação). Em 1998, François Mitterrand terminou seu governo com 54% de aprovação (e 33% de desaprovação). Em 2002, Jacques Chirac saiu com 47% de aprovação (e 48% de desaprovação).
Até Giscard d’Estaing deixou o governo com 40% de aprovação ( e 46% de desaprovação). Agora Sarkozy, depois de cinco anos de governo, tem apenas 36% de aprovação (e 64% de desaprovação). Que moral tem para querer continuar no governo, quando dois terços o querem fora?
Mais vezes, nesta semana, Sarkozy esperneou, para tentar salvar o pescoço. No comício de 1º de maio e no grande debate final com Francois Hollande, ele deixou claro que não tem nível para comandar a França.
02 de maio de 2012
Sebastião Nery
PARIS – Aqui de cima, Maria Antonieta disse que, se o povo não tinha pão, que comesse brioche. Também não havia brioche. Comeram o reino dela, o pescoço dela, do marido dela, da família dela. Só restou o rei sobre seu cavalo, na frente do palácio. E a nevoa desmanchando a tarde e compondo a noite, como o tempo que desmanchou a eternidade deles.
Já lá se vão mais de 50 anos, quando volto a Paris venho a Versailles. Aqui tudo começou. Aqui a revolução francesa fez com sangue o parto da democracia. O mundo deve muito ao pescoço da bela Antonieta. Do alto dessas janelas que vêem o infinito sobre jardins desenhados e lagos mansos, bosques de pé e campos deitados, Luis XVI e Maria Antonieta jamais imaginaram que tudo ia se acabar levando seus imperiais pescoços.
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MARIA ANTONIETA
Em frente ao palácio, dois prédios: um era a estrebaria do rei, o outro a estrebaria da rainha. Lá ficavam seus cavalos e éguas. O povo, longe. Versailles era o “chateau” onde o rei e a rainha passavam fins de semana e férias, e, quando começou a revolução, se escondiam da fúria do povo.
Nas primaveras, um sol envergonhado chega e vai logo embora. As tardes ficam cobertas por uma bruma fria que desce sobre as arvores secas. As folhas vão caindo devagar, como nobres e tontas lágrimas douradas.
Hoje há alamedas enevoadas, de faróis acesos e turistas encapotados. Só faltam mesmo, ali nos salões, quartos, pátios e corredores imensos, eles, os reis e seus nobres de roupas complicadas e cabelos encaracolados.
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ROBESPIERRE
Isso aqui é uma Universidade do poder. Ninguém, por mais poderoso, é divino e eterno. Quem derrubou o rei também pensou que era.
Robespierre, 30 anos, furioso à frente das multidões, proclamou-se “Pontífice do Ser Supremo”, vestiu uma bata longa, cintilante, pôs um barrete frigio de cardeal e desfilou em Paris à frente de todos. Nas mãos, rosas e espigas, como em um “gala-gay”. E de 24 de outubro de 1793 a 27 de junho de 1794, oito meses, Robespierre cortou a cabeça, na guilhotina, de 2.596 pessoas. No interior, outro tanto. Até que cortaram a dele também.
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BOLIVAR
Engano pensar que só nas tiranias nascem tiranos. Também nas democracias. O grego Sófocles, 500 anos antes de Cristo, avisou no Édipo que “o tirano nasce do ventre da insolência e não sai pela própria vontade”.
O russo Dostoievski, que sofreu a tirania nos grilhões da “Casa dos Mortos”, sua prisão na Sibéria que estive visitando, ensinou que “a tirania a tal ponto se dilata que acaba virando doença”.
Herói da unidade sulamericana, Bolívar avisou: – “Nada tão perigoso como deixar alguém no poder por muito tempo. O povo acostuma-se a obedecer e ele a mandar, de onde se originam a usurpação e a tirania”.
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SARCOZY
Há cinco anos, Nikolas Sarkozy, filhote da direita francesa, derrotou a candidata do partido Socialista Segolene Royal. Um de seus argumentos é que François Mitterrand havia ficado 14 anos, dois mandatos de sete anos, no poder, e que a democracia prefere ou exige alternância.
Cinco anos presidente, Sarkozy se desespera, nesta véspera do segundo turno (domingo), porque as pesquisas dão a Francois Hollande 55%, 54% ou 53%, enquanto ele não passa de 45%, 46% ou 47%.
A França sabe por que Sarkozy ficou indefensável, inelegível.
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MITTERRAND
Em 1965, o general De Gaulle deixou o governo com 54% de aprovação (35% de desaprovação). Em 1998, François Mitterrand terminou seu governo com 54% de aprovação (e 33% de desaprovação). Em 2002, Jacques Chirac saiu com 47% de aprovação (e 48% de desaprovação).
Até Giscard d’Estaing deixou o governo com 40% de aprovação ( e 46% de desaprovação). Agora Sarkozy, depois de cinco anos de governo, tem apenas 36% de aprovação (e 64% de desaprovação). Que moral tem para querer continuar no governo, quando dois terços o querem fora?
Mais vezes, nesta semana, Sarkozy esperneou, para tentar salvar o pescoço. No comício de 1º de maio e no grande debate final com Francois Hollande, ele deixou claro que não tem nível para comandar a França.
02 de maio de 2012
Sebastião Nery
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