A PROPÓSITO DA ONIOMANIA
De Laís Legg, psiquiatra e boa amiga, recebo:
Oi, Janer:
Não li a matéria da Folha, mas sei lá como os leigos trataram do assunto. Mas a oniomania nada mais é que uma faceta do portador de Transtorno Afetivo Bipolar (TAB), antigamente denominado de Psicose Maníaco-depressiva (PMD). É um transtorno psiquiátrico grave, só perdendo para a esquizofrenia.
Devido aos desarranjos bioquímicos de substâncias cerebrais (catecolaminas), a pobre criatura oscila entre estado onipotente e impotente, permanecendo pouco tempo no estado potente, isto é, de poder fazer as coisas normalmente. A doença é difícil de tratar (30% dos portadores não apresentam resposta adequada aos psicofármacos) e causa grande sofrimento ao portador e seus familiares.
Quando em estado de onipotência (por causas químicas), o portador fica hiperssexualizado, dorme muito pouco, tem idéias mirabolantes de enriquecimento, fuga de idéias, taquilalismo e taquipsiquismo. Eles são a alegria das lojas, agiotas, bancos, supermercados e shoppings, pois gastam sem medir consequências. Com o advento do cartão de crédito, o sintoma de prodigalidade expandiu-se de forma assustadora, pois ficou mais fácil comprar. O final de quase todos é a interdição judicial, pois acabam com o patrimônio familiar.
O lado oposto da fase maníaca é a depressão profunda. Os portadores de TAB são os que mais se suicidam, no mundo. Cerca de um milhão de pessoas se suicidam, por ano, segundo a OMS. E a maioria são portadores de TAB. Muitos são, também, homicidas, devido ao descontrole do impulso.
O tratamento é árduo, com necessidade de combinações farmacológicas do tipo estabilizadores do humor, antipsicóticos, antidepressivos e indutores do sono e, muitas vezes, é necessário empregar a ECT (eletroconvulsoterapia – o popular eletrochoque) para que se possa reverter o quadro. Há, também, os cicladores rápidos, aqueles que apresentam estado maníaco e estado depressivo num mesmo dia. Também há os que apresentam virada maníaca, isto é, quando em depressão profunda, recebem medicação antidepressiva e vão rapidamente para o estado maníaco, deixando o médico louco. E há necessidade de muitas internações psiquiátricas ao longo de suas vidas.
Espero ter ajudado um pouco, pois sei que este mundo obscuro é pouco conhecido fora do âmbito da medicina.
Bjs,
Laís
Touché, Laís!
Não vou discordar. Mas não se confunda a doença com mania de ostentação. O que mais tenho visto em torno a mim são pessoas comprando o que não podem para ostentar um status que não têm. Contraem dívidas estratosféricas e depois tratam de “rolar” o devido. Na hora de “rolar”, são muito racionais e saudáveis. Mencionei o caso da subprime nos EUA. Seriam os “ninjas” (no income, no job, no assets) todos doentes mentais? Se assim foi, a crise de 2007 não passou de uma questão de saúde psíquica nacional.
Os imigrantes, que pouco ou nada compravam em seus países – pelo simples fato de que não tinham como pagar – e na Espanha passaram a comprar apartamentos de 500 mil euros, teriam contraído a doença ao migrar? Serão oniômanos os europeus todos que vivem pendurados no cartão de crédito? Serão os cartões de crédito a origem do mal? Posso alegar a um banco: “Sabe, sr. gerente, aquele empréstimo? Comprei uma lancha e não posso honrá-lo. Mil perdões, sr. gerente. Sou oniômano, nada posso fazer”?
Segundo os juristas, em uma sociedade marcada pelo constante convite ao consumo, “torna-se cada vez mais comum a existência de pessoas cujas despesas referentes a um determinado período habitualmente superam as receitas daquele mesmo período. Partindo-se desta premissa, tem-se que é uma constante o estado de insolvência, ainda que apenas de fato ou transitório, de grande parcela da sociedade. Diante desta constatação faz-se necessário o estabelecimento de critérios objetivos e científicos para que seja possível distinguir, com o maior grau de segurança possível, as pessoas consideradas "pródigas", e com isso sujeitá-las à interdição judicial, visto que serão relativamente incapazes, e aquelas que serão consideradas como "superendividadas", cujo tratamento jurídico será menos severo, ensejando, inclusive, a possibilidade de revisão de contratos e maiores benefícios na negociação de seus débitos”.
Serão os novos oniômanos os antigos pródigos? O Código Civil não contempla o que se chama de oniômanos e tipifica os pródigos como relativamente incapazes (Lei nº 10.406/02). Terão os juízes contemporâneos equiparado os oniômanos aos pródigos? Pode ser. Mas o Código Civil não vê os pródigos como doentes.
Seja como for, a questão gera perguntas. Como a encara o Direito das Obrigações? Se a interdição judicial protege o patrimônio familiar, quem ou o quê protege o credor? Sendo o endividamento um transtorno psiquiátrico grave, este tipo de devedor é legalmente responsável pela dívida? Esta pode ser remida em função da doença? Ou é transferida a pais ou filhos? Como podem se precaver o comércio ou as instituições de crédito deste tipo de doente? Pode a economia de uma nação flutuar ao sabor de doenças psíquicas?
Questões que ficam no ar.
Baci!
24 de julho de 2012
janer cristaldo
De Laís Legg, psiquiatra e boa amiga, recebo:
Oi, Janer:
Não li a matéria da Folha, mas sei lá como os leigos trataram do assunto. Mas a oniomania nada mais é que uma faceta do portador de Transtorno Afetivo Bipolar (TAB), antigamente denominado de Psicose Maníaco-depressiva (PMD). É um transtorno psiquiátrico grave, só perdendo para a esquizofrenia.
Devido aos desarranjos bioquímicos de substâncias cerebrais (catecolaminas), a pobre criatura oscila entre estado onipotente e impotente, permanecendo pouco tempo no estado potente, isto é, de poder fazer as coisas normalmente. A doença é difícil de tratar (30% dos portadores não apresentam resposta adequada aos psicofármacos) e causa grande sofrimento ao portador e seus familiares.
Quando em estado de onipotência (por causas químicas), o portador fica hiperssexualizado, dorme muito pouco, tem idéias mirabolantes de enriquecimento, fuga de idéias, taquilalismo e taquipsiquismo. Eles são a alegria das lojas, agiotas, bancos, supermercados e shoppings, pois gastam sem medir consequências. Com o advento do cartão de crédito, o sintoma de prodigalidade expandiu-se de forma assustadora, pois ficou mais fácil comprar. O final de quase todos é a interdição judicial, pois acabam com o patrimônio familiar.
O lado oposto da fase maníaca é a depressão profunda. Os portadores de TAB são os que mais se suicidam, no mundo. Cerca de um milhão de pessoas se suicidam, por ano, segundo a OMS. E a maioria são portadores de TAB. Muitos são, também, homicidas, devido ao descontrole do impulso.
O tratamento é árduo, com necessidade de combinações farmacológicas do tipo estabilizadores do humor, antipsicóticos, antidepressivos e indutores do sono e, muitas vezes, é necessário empregar a ECT (eletroconvulsoterapia – o popular eletrochoque) para que se possa reverter o quadro. Há, também, os cicladores rápidos, aqueles que apresentam estado maníaco e estado depressivo num mesmo dia. Também há os que apresentam virada maníaca, isto é, quando em depressão profunda, recebem medicação antidepressiva e vão rapidamente para o estado maníaco, deixando o médico louco. E há necessidade de muitas internações psiquiátricas ao longo de suas vidas.
Espero ter ajudado um pouco, pois sei que este mundo obscuro é pouco conhecido fora do âmbito da medicina.
Bjs,
Laís
Touché, Laís!
Não vou discordar. Mas não se confunda a doença com mania de ostentação. O que mais tenho visto em torno a mim são pessoas comprando o que não podem para ostentar um status que não têm. Contraem dívidas estratosféricas e depois tratam de “rolar” o devido. Na hora de “rolar”, são muito racionais e saudáveis. Mencionei o caso da subprime nos EUA. Seriam os “ninjas” (no income, no job, no assets) todos doentes mentais? Se assim foi, a crise de 2007 não passou de uma questão de saúde psíquica nacional.
Os imigrantes, que pouco ou nada compravam em seus países – pelo simples fato de que não tinham como pagar – e na Espanha passaram a comprar apartamentos de 500 mil euros, teriam contraído a doença ao migrar? Serão oniômanos os europeus todos que vivem pendurados no cartão de crédito? Serão os cartões de crédito a origem do mal? Posso alegar a um banco: “Sabe, sr. gerente, aquele empréstimo? Comprei uma lancha e não posso honrá-lo. Mil perdões, sr. gerente. Sou oniômano, nada posso fazer”?
Segundo os juristas, em uma sociedade marcada pelo constante convite ao consumo, “torna-se cada vez mais comum a existência de pessoas cujas despesas referentes a um determinado período habitualmente superam as receitas daquele mesmo período. Partindo-se desta premissa, tem-se que é uma constante o estado de insolvência, ainda que apenas de fato ou transitório, de grande parcela da sociedade. Diante desta constatação faz-se necessário o estabelecimento de critérios objetivos e científicos para que seja possível distinguir, com o maior grau de segurança possível, as pessoas consideradas "pródigas", e com isso sujeitá-las à interdição judicial, visto que serão relativamente incapazes, e aquelas que serão consideradas como "superendividadas", cujo tratamento jurídico será menos severo, ensejando, inclusive, a possibilidade de revisão de contratos e maiores benefícios na negociação de seus débitos”.
Serão os novos oniômanos os antigos pródigos? O Código Civil não contempla o que se chama de oniômanos e tipifica os pródigos como relativamente incapazes (Lei nº 10.406/02). Terão os juízes contemporâneos equiparado os oniômanos aos pródigos? Pode ser. Mas o Código Civil não vê os pródigos como doentes.
Seja como for, a questão gera perguntas. Como a encara o Direito das Obrigações? Se a interdição judicial protege o patrimônio familiar, quem ou o quê protege o credor? Sendo o endividamento um transtorno psiquiátrico grave, este tipo de devedor é legalmente responsável pela dívida? Esta pode ser remida em função da doença? Ou é transferida a pais ou filhos? Como podem se precaver o comércio ou as instituições de crédito deste tipo de doente? Pode a economia de uma nação flutuar ao sabor de doenças psíquicas?
Questões que ficam no ar.
Baci!
24 de julho de 2012
janer cristaldo
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