"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quarta-feira, 15 de agosto de 2012

A RETÓRICA DO ESCÁRNIO

Kakay, evocando o nome de Lula, fica a um passo de pedir que procurador-geral lhe seja grato por estar no cargo. É um escárnio, um despropósito! Ou: De Raymundo Faoro a Raymundo Faoro


Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, avançou o sinal. Sem pejo, evocou o nome de Lula, cantou as suas glórias, e, acreditem, lembrou, por vias tortas, que Roberto Gurgel deveria é ser grato ao ex-presidente, quem sabe ao próprio orador… Por quê?

Sem nenhum constrangimento, deixando claro a sua condição de grande fidalgo da República, revelou que foi ele, Kakay, quem indicou a Lula o nome de Claudio Fonteles para a procuradoria-geral da República, em 2003. O presidente lhe teria perguntado: “Kakay, e o que fazer com a Procuradoria?” E ele: “Presidente, se o senhor quer uma que funcione, indique o Cláudio Fonteles, porque o procurador anterior não foi muito bem…” Não são palavras literais, mais foi esse o conteúdo.

E Kakay avançou, deixando claro que foi assim que o “atual grupo” do Ministério Público chegou à Procuradoria-Geral da República. Fonteles foi substituído por Antonio Fernando de Souza. E Kakay continuou a exaltar Lula, que o manteve no cargo mesmo com o processo do mensalão — como se houvesse favor aí. Assim, Roberto Gurgel, estava claro pelo encaminhamento do raciocínio, deveria é ser grato a Lula e, por que não?, ao próprio Kakay porque faria parte do “mesmo grupo”.

Kakay, a rigor, não fez a defesa de Zilmar Fernandes coisa nenhuma! Dedicou poucos minutos à causa. Esse papel coube a seu sócio, Luciano Feldens, o defensor oficial de Duda, que o antecedeu. Os dois casos, ele deixou claro, eram um só. Dedicou seu tempo à retórica palavrosa, lembrando, em última instância, que, afinal, estão em Brasília e que, por ali, todos são amigos.

Chegou mesmo a dizer que via Gurgel a falar ao pé do ouvido com ministros do Supremo, privilégio que os advogados de defesa não têm. Bem, não seria quem sou se não lembrasse. Gurgel conversa com os ministros no tribunal, aos olhos de toda gente e das câmeras de TV.
Na madrugada de sexta para sábado, protegidos da curiosidade de toda gente, Kakay e Dias Tóffoli, por exemplo, compartilharam uma noite festiva, aquela que terminou com impropérios e palavrões — e só por isso nós ficamos sabendo.

A defesa de Kakay — ou sua peroração — é um emblema do que é o Brasil. Ninguém mais do que ele evocou uma República de fidalgos. E era a supostos fidalgos que falava. Espero que os ministros do Supremo se lembrem de que estão numa República.

Imaginem se, na corte americana ou na de qualquer democracia europeia, um advogado, como quem diz “hoje é quarta-feira”, teria o topete de lembrar que indicou o procurador-geral da República (ou cargo correspondente). Kakay assumiu a tribuna para destacar que o mensalão, ou como se queira chamar a sem-vergonhice, é um assunto dos nobres cortesãos. O povo fica do lado de fora.

Roberto Gurgel deu início à sua denúncia citando “Os Donos de Poder”, de Raymundo Faoro; Kakay encerrou a fase das defesas aludindo, sem querer, a “Os Donos do Poder”, de Raymundo Faoro! Gurgel apelou ao livro destacando que o país do patrimonialismo, do compadrio, das relações incestuosas que se sobrepõem às instituições ou que as contaminam, precisam ter fim. Kakay evocou, sem saber, a mesma obra para destacar que esse é o país em que eles todos se divertem.

O direito de defesa é sagrado. Mas viola o pacto democrático quem insinua, num tribunal, que as decisões de relevo no campo da Justiça se tomam fora dali. Kakay não decepcionou. Como jurista afamado, é um homem do entretenimento, um fidalgo, um verdadeiro amigo dos amigos.
A tarefa do Supremo é mesmo gigantesca: fazer justiça com os réus e fazer justiça com os brasileiros que não são réus.

15 de agosto de 2012
Por Reinaldo Azevedo

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