Os defensores se esmeraram. Teve de tudo um pouco. As citações históricas transformaram o julgamento naquilo que o humorista Sérgio Porto chamou, lá nos anos 1960, de samba do crioulo doido
Ministro do STF Ricardo Lewandowski, durante julgamento do mensalão (Breno Fortes/CB/D.A Press)
Entenda-se, antes que um advogado invoque um “ato de ofício”, do ofício de historiador. Escrever um livro sobre este julgamento é uma experiência interessante. O mundo da justiça tem suas leis, códigos, gestos e uma linguagem próprias. A encenação – e é uma encenação – no tribunal, as togas, o plenário, as formas de tratamento, tudo parece conspirar para ocultar ao neófito – como eu – os meandros do julgamento.
Em um país com uma profunda e enraizada tradição corporativa, tudo é feito para que os que não pertençam a corporação sejam simplesmente assistentes. Opinar? Não, isto é só para os especialistas. Criticar? Em hipótese alguma. Comentar a legislação? Como? Só os juristas é que conhecem as leis. Porém – e sempre há um porém, como diria Plínio Marcos – temos um belo paradoxo: a transmissão televisiva permite ao historiador entrar neste mundo.
Chamam atenção as frases feitas, não só dos defensores, como dos ministros. Um deles, disse que estava julgando “pessoas de carne e osso”. Usou diversas expressões latinas, porém teve enorme dificuldade de ler três linhas de uma frase na mesma língua, lembrando um bárbaro recém romanizado. Mas a pose que fez durante todos estes dias... Fez de tudo para parecer inteligente.
Outro, questionou um defensor, que, educadamente, retrucou que a pergunta já estava respondida nos autos. Citou, inclusive, as páginas. Mas rubor não é com ele. Dois dias depois, numa festa, em Brasília, pronunciou palavras que até em um botequim causariam espécie. E, pior, ele pode permanecer naquela Corte por três décadas.
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Os defensores se esmeraram. Teve de tudo um pouco. As citações históricas transformaram o julgamento naquilo que o humorista Sérgio Porto chamou, lá nos anos 1960, de samba do crioulo doido.
Um deles comparou o momento que vivemos com a ditadura militar e que sua cliente sofreu tanto como um torturado no DOI-CODI. Outro, mais jovem (e a idade pode ser um atenuante) disse que não estamos no nazismo (ainda bem!), regime em que a opinião pública se impunha sobre as leis.
Havia opinião pública no nazismo? Outro resolveu citar o Código de Hamurabi e estabeleceu uma relação com o direito medieval, sem notar que entre um e outro temos um intervalo de 25 séculos.
Foram constrangedores os discursos empolados, dignos dos cursos de oratória. Um deles resolveu até bater palmas (para acordar os ministros?).
Ao longo dos dias, confesso, foi dando uma saudade. Numa das sessões, adormeci. Sonhei que entre os defensores estava Sobral Pinto e vi sentado na cadeira de ministro Pedro Lessa. Mas logo acordei. Voltei à triste realidade brasileira. Estava na tribuna um advogado homenageando um ministro. Senti um certo asco. Como é possível elogiar quem vai julgar a sua causa? É ético? E o pior é que o elogio era absolutamente descabido.
Ainda não consegui entender porque a acusação teve 5 horas e a defesa sete vezes mais. E a ausência de ministros durante as sustentações orais? Por que o STF se preocupa tanto com as formalidades (na vestimenta, nas formas de tratamento) e não consegue começar uma sessão no horário previsto? Ah, são tantas perguntas que resolvi terminar com uma citação, até para ficar no espírito do julgamento. De Oswald de Andrade: “Nunca fomos catequizados. Vivemos através de um direito sonâmbulo. Fizemos Cristo nascer na Bahia. Ou em Belém do Pará. Mas nunca admitimos o nascimento da lógica entre nós.”
15 de agosto de 2012
Marco Antonio Villa, historiador, é professor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR)
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