Há muitos anos, no velho balcão da antiga loja de ferragens da Kircher Hillmann situada na Av. Siqueira Campos em Porto Alegre, conheci um tipo muito interessante. Ele estava ao meu lado e conversava com o vendedor sobre uma ferramenta de formato estranho. Perguntei-lhes para que servia aquilo. “Vou usá-la para os acabamentos de um barco que estou construindo”, esclareceu o comprador.
Surpreendeu-me haver fabricantes de barco em Porto Alegre e fiz alguma observação a respeito, pois supunha que eles fossem adquiridos de empresas de fora ou de revendedores.
A surpresa maior me veio com a resposta: “Estou fazendo apenas este, para mim. Quando terminar já estarei aposentado e tornar-me-ei um navegador solitário”.
Ainda que não seja aficionado de esportes náuticos, interessou-me conhecer a embarcação utilizada para tal finalidade e acabei acompanhando o sujeito até sua modesta moradia na Zona Sul. Feito em fibra de vidro e ainda sem os acabamentos, o “bicho” parecia uma grande baleia branca. Explicou-me que aquele era o sonho de sua vida e que, para realizá-lo, recusou-se a quaisquer outros prazeres e compromissos, inclusive ao casamento, tendo poupado todos os tostões que pôde.
Recebi, naquele momento, uma oportuna lição sobre a liberdade humana e sobre o direito que temos de buscar nossos próprios caminhos, ainda que solitariamente e em flagrante misantropia, como era o caso. O episódio ensinou-me a ser compreensivo com os projetos de vida alheios.
Com efeito, o navegador solitário que conheci na velha loja de ferragens ressurgiu como exemplo de determinação incontáveis vezes ao longo dos anos. A mais recente foi quando li sobre Sa Jae-Hyouk, o sul-coreano levantador de pesos que fraturou o braço ao tentar erguer 158kg em sua apresentação nos Jogos Olímpicos de Londres.
Sa Jae-Hyouk fraturou o braço
“O que tem a ver uma coisa com a outra?” talvez se esteja indagando o leitor. Pois bem, enquanto assistia algumas das disputas transmitidas pela tevê, não pude deixar de considerar que certos esportes impõem ao corpo um tratamento desumano, que inevitavelmente contraria sua natureza, anatomia e fisiologia.
Lesões integram o calendário de eventos de qualquer atleta ou esportista.
No entanto, há atividades cuja sobrecarga e impactos impostos ao corpo são tão violentos que acabarão determinando danos permanentes. Será isso, verdadeiramente, esporte?
Uma coisa é alguém adotar como objetivo de vida a tarefa de pegar no chão e colocar acima da cabeça o maior peso possível. O que é de gosto regala a vida. Outra bem, diferente, é estimular-se tal atividade com medalhas que quebram ossos. Uma coisa é nos admirarmos com a flexibilidade dos atletas; outra é torturarem-se crianças com alongamentos e sobrepesos, para futura glória do Estado em nome do qual se exibem.
Há inúmeras matérias na Internet a respeito dos treinamentos chineses, por exemplo. Uma coisa é alguém querer ser atleta de nível olímpico; outra é tornar isso algo tão imperativo que determine o surgimento das mais sofisticadas técnicas de burlar os limites da natureza humana, gerando, em contrapartida, toda uma ciência para detecção de fraudes.
Surpreendeu-me haver fabricantes de barco em Porto Alegre e fiz alguma observação a respeito, pois supunha que eles fossem adquiridos de empresas de fora ou de revendedores.
A surpresa maior me veio com a resposta: “Estou fazendo apenas este, para mim. Quando terminar já estarei aposentado e tornar-me-ei um navegador solitário”.
Ainda que não seja aficionado de esportes náuticos, interessou-me conhecer a embarcação utilizada para tal finalidade e acabei acompanhando o sujeito até sua modesta moradia na Zona Sul. Feito em fibra de vidro e ainda sem os acabamentos, o “bicho” parecia uma grande baleia branca. Explicou-me que aquele era o sonho de sua vida e que, para realizá-lo, recusou-se a quaisquer outros prazeres e compromissos, inclusive ao casamento, tendo poupado todos os tostões que pôde.
Recebi, naquele momento, uma oportuna lição sobre a liberdade humana e sobre o direito que temos de buscar nossos próprios caminhos, ainda que solitariamente e em flagrante misantropia, como era o caso. O episódio ensinou-me a ser compreensivo com os projetos de vida alheios.
Com efeito, o navegador solitário que conheci na velha loja de ferragens ressurgiu como exemplo de determinação incontáveis vezes ao longo dos anos. A mais recente foi quando li sobre Sa Jae-Hyouk, o sul-coreano levantador de pesos que fraturou o braço ao tentar erguer 158kg em sua apresentação nos Jogos Olímpicos de Londres.
Sa Jae-Hyouk fraturou o braço
“O que tem a ver uma coisa com a outra?” talvez se esteja indagando o leitor. Pois bem, enquanto assistia algumas das disputas transmitidas pela tevê, não pude deixar de considerar que certos esportes impõem ao corpo um tratamento desumano, que inevitavelmente contraria sua natureza, anatomia e fisiologia.
Lesões integram o calendário de eventos de qualquer atleta ou esportista.
No entanto, há atividades cuja sobrecarga e impactos impostos ao corpo são tão violentos que acabarão determinando danos permanentes. Será isso, verdadeiramente, esporte?
Uma coisa é alguém adotar como objetivo de vida a tarefa de pegar no chão e colocar acima da cabeça o maior peso possível. O que é de gosto regala a vida. Outra bem, diferente, é estimular-se tal atividade com medalhas que quebram ossos. Uma coisa é nos admirarmos com a flexibilidade dos atletas; outra é torturarem-se crianças com alongamentos e sobrepesos, para futura glória do Estado em nome do qual se exibem.
Há inúmeras matérias na Internet a respeito dos treinamentos chineses, por exemplo. Uma coisa é alguém querer ser atleta de nível olímpico; outra é tornar isso algo tão imperativo que determine o surgimento das mais sofisticadas técnicas de burlar os limites da natureza humana, gerando, em contrapartida, toda uma ciência para detecção de fraudes.
(Transcrito do blog de Puggina)
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