Em quem devo acreditar?
No anjinho que sussurra no meu ouvido direito ou no
diabinho que me provoca do lado esquerdo?
O anjinho
abana-me com suas asas e diz que o Brasil é um
país que já deu certo e está no caminho de se tornar uma liderança
mundial.
O diabinho
espeta-me com seu tridente e tenta convencer-me de
que estamos negligenciando, como sempre fizemos, os nossos problemas
estruturais.
O anjinho
cantarola que o mensalão está sendo julgado pelo STF
com plena independência, o que comprova que o Brasil tem instituições que são
maiores e mais perenes que os governos e os partidos no poder.
O diabinho
argumenta que vivenciamos uma perda de qualidade
institucional e o elevado número de votos nulos, em branco e abstenções nas
eleições municipais comprova que grande parte da população credita pouca
confiança às instituições políticas.
O anjinho
exalta as ações do Estado no combate ao crime
organizado e ao tráfico de drogas, que se estão tornando mais sofisticadas e
complexas.
O diabinho
faz pouco caso das ações de controle nas fronteiras e
lembra que comprar armas de fogo no mercado negro é mais fácil e barato que
comprar antibiótico na farmácia.
O anjinho
orgulha-se dizendo que foram tomadas medidas
decisivas para estimular o crescimento da indústria no País, com elevação de
tarifas, exigências de conteúdo nacional e desoneração tributária.
O diabinho, embora consciente da importância da indústria em qualquer
economia, lembra que no Brasil ela é protegida desde os tempos de Juscelino
Kubitschek e o consumidor paga essa conta com produtos mais caros e obsoletos, e
que esse não é o setor da economia mais dinâmico na geração de
empregos.
O sangue sobe à
cabeça do anjinho, que se enfurece e argumenta
que a inovação tecnológica nasce na indústria e se espalha pelas demais áreas.
Por isso é necessário que existam políticas de estímulo ao setor
industrial.
O diabinho, plácido, lembra que inovação depende de educação e nesse
quesito o País não tem muito o que falar.
O
anjinho, mais revoltado que nunca, diz que
jamais se investiu tanto em universidades federais e que o Programa Ciência sem
Fronteiras vai revolucionar a ciência brasileira.
O diabinho, mais calmo que nunca, lembra que no Brasil prevalece o
modelo em que a ciência (universidades) e a inovação (setor privado) são
separadas, não estimulando multinacionais a investir em inovação aqui e levando
as universidades a gerar ciência de retorno de longo prazo
duvidoso.
O anjinho
procura se acalmar e lembra que o Brasil é um dos
poucos países do mundo que está crescendo, segue em ritmo de pleno emprego e, ao
mesmo tempo, tem saúde e previdência universal para sua população.
O diabinho
exalta a geração de empregos no País e ri da
ingenuidade do anjinho: qual o sentido de um sistema de saúde universal em que
os recursos dos contribuintes se perdem numa longa cadeia de desvios e
corrupção?
E de que vale a
universalidade da previdência hoje, sabendo que o sistema precisa ser reformado,
dados o envelhecimento da população e a queda da taxa de natalidade? Não
estaríamos, pergunta o diabinho, garantindo bem-estar acima do necessário às
gerações atuais e extraindo-o das futuras?
O anjinho
volta a ficar empolgado com o diálogo e saltita de
alegria ao dizer que o País pôs em prática um dos mais bem-sucedidos programas
de distribuição de renda do mundo, o Bolsa-Família.
O diabinho, sem pestanejar, concorda com a importância do programa,
mas retruca que de nada adianta distribuir renda sem reformar uma estrutura
tributária que pune as pessoas de menor renda, pois são elas que poupam menos e
gastam maior parcela da sua renda com consumo.
O anjinho
regozija-se com o ciclo virtuoso por que passa a
economia brasileira, com redução da taxa de juros, controle da inflação e grande
crescimento do mercado de crédito.
O diabinho
diverte-se com o otimismo do anjinho e lembra que o
Brasil não é um país pró-negócios e que boa parte do setor privado quer manter o
emaranhado de leis e exigências existentes porque o custo Brasil o mantém
protegido e livre de competição.
O
anjinho, ainda maravilhado com o sucesso
econômico que é o Brasil, discursa sobre os grandes avanços em infraestrutura
que o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) está promovendo e defende a
política do governo de permitir concessões privadas de longo prazo em setores
controlados por empresas estatais.
O diabinho
praticamente perde as estribeiras porque, assim como
ele reconhece que há avanços, o anjinho precisa concordar que a eficácia do PAC
é muito baixa e as concessões privadas nos aeroportos são uma prova de que o
modelo defendido não vai promover os investimentos necessários nem melhorar os
serviços para a população.
O
anjinho, que já havia entendido que o diabinho
estava devotado a irritá-lo, lembra que o País é uma liderança mundial em
ascensão e está exercendo seu poder por meio de cooperação internacional,
transferência de tecnologia e internacionalização das empresas nacionais, sem
uso de poder militar, como fazem os EUA, nem do modelo colonizador, como fizeram
os países europeus.
O diabinho
diverte-se com a inocência do anjinho e argumenta que
o destino de qualquer potência de recursos naturais, como é o caso do Brasil,
mesmo que não queira, é ser catapultado ao posto de liderança
mundial.
Anjinho e diabinho já estavam cansados do debate e minha cabeça, cheia de
ouvir argumentos opostos. Ambos estavam certos.
Mas se é verdade que o
Brasil está avançando muito, e também é verdade que o País ainda tem diversos
problemas para enfrentar, é o diabinho que tem mais razão. Apontar os desafios,
portanto, é mais importante que ovacionar cegamente as conquistas.
É o diabinho que opto
por escutar.
André Meloni Nassar O
Estado de S. Paulo
18 de outubro de 2012
18 de outubro de 2012
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