A confirmação de que a presidente Dilma nunca levou em conta a sugestão de não comparecer à posse do relator do mensalão, ministro Joaquim Barbosa, na presidência do Supremo Tribunal Federal, dada por Jorge Bastos Moreno na sua coluna de ontem, é um alívio para quem se preocupa com os avanços de certas áreas petistas sobre a institucionalidade democrática.
Não comparecer à posse seria, ao ver desses setores, uma maneira de demonstrar a insatisfação do governo com as condenações do mensalão. Há indicações de que o próprio ex-presidente Lula estaria insistindo nessa atitude por parte da presidente, o que, se confirmado, demonstraria um total descontrole.
Na verdade, esse “protesto” seria transformar questão de Estado em partidária, prática comum entre setores petistas, mas já superada pelo menos em termos oficiais desde que Lula, em seu primeiro mandato, desistiu de andar com uma estrela do PT na lapela e trocou-a por um escudo da República.
A estrela vermelha do PT plantada nos jardins do Alvorada por dona Marisa Leticia foi outra afronta, aos princípios do republicanismo e ao trabalho de Burle Marx, que também foi superada.
Paralelamente, esses setores radicais do PT empenhados em confrontar a democracia estão sempre dando uma ajuda à imagem institucional da presidente, que sai desses embates com a figura engrandecida.
Diante de tanta insensatez, uma atitude sensata passa a ser elogiável. Suspeito que tudo não passe de uma jogada bolada pelo João Santana.
Passado o primeiro choque, vai o PT retornando à normalidade democrática onde sua atuação está circunscrita às normas da lei, ficando ultrapassada a tentativa de emparedar o STF e a liberdade de imprensa.
A condenação de todo o alto comando partidário petista é ao mesmo tempo a condenação de uma forma de fazer política que a democracia abomina, como ressaltou o ministro Ayres Britto em uma das suas intervenções durante o julgamento do mensalão.
A consequência é o estreitamento da margem de manobra do grupo petista que parece ainda insistir na prática agora condenada, como se o que está acontecendo não tenha nenhuma consequência no comportamento do eleitor médio brasileiro.
O PT alegar que a vitória nas eleições municipais, da qual emergiu como a sigla mais votada e com a prefeitura de São Paulo, seria uma absolvição das urnas, é não apenas admitir que necessita de uma absolvição para pagar seus pecados, como transformar cada derrota que teve em uma condenação.
Nada disso aconteceu, o PT não foi absolvido pelas urnas e precisa dar à sua vitória eleitoral a verdadeira dimensão: um passo adiante na organização partidária, sem dúvida nenhuma a estrutura mais azeitada entre todas as que estão na disputa do eleitorado.
Se o partido continuar atrelado a esse passado que já foi condenado e ainda não foi totalmente revelado, insistindo em se colocar acima da lei, afrontando os poderes da República, estará marcado pela imagem que ainda é predominante, a de um partido de tendência autoritária.
A renovação do partido, tese que o ex-presidente Lula defendeu com méritos na campanha paulistana, tem que corresponder a atitudes renovadas, o que não acontece na mesma São Paulo, onde um vergonhoso acordo pós-eleitoral une o prefeito Gilberto Kassab, caça preferencial da campanha, ao caçador, numa prática nefasta que permitiu a Paulo Maluf cantar o jingle lulista.
Do jeito que vai, com a defesa dos mensaleiros e a prática política de perverso pragmatismo, a tese de renovação não passa de uma tática marqueteira imediatista.
Como também disso não passa a insistência com que esses setores, inconformados com o que classificam de distorções do STF, exigem que o mesmo tratamento seja dado ao mensalão tucano.
Ora, se veem nas condenações de agora injustiças, como desejam que o mesmo “julgamento de exceção” se repita? Seria uma contradição se não fosse uma mera tática de disputa política.
O adiamento de uma suposta nota de protesto contra a “mídia golpista” e o STF é uma demonstração de que, mesmo a contragosto, esses setores ainda têm juízo suficiente para saber suas limitações.
Mesmo que o tenham feito com receio de exacerbar os ânimos antes da definição das penas, é uma demonstração de que a coerção social funciona.
04 de novembro de 2012
Merval Pereira, O Globo
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