"Abaixo a austeridade, viva o crescimento."
Dilma Rousseff e François Hollande (presidente da França) poderiam ter abandonado, na semana passada, o ambiente do Fórum pelo Progresso Social, organizado pela Fundação Jean-Jaurès e o Instituto Lula, para pichar com spray o slogan acima nas ruas de Paris, de onde, desde a queda da Bastilha, são despachadas para o mundo vibrantes palavras de ordem. "A imaginação no Poder!", de 1968, foi das mais bonitas, apesar de destituída de conteúdo prático e de não ter chegado a nenhum resultado.
Mas França e Brasil, com Dilma e Hollande, que, como diria o velho Pasquim, "raciocinam em bloco" - com perdão de Ziraldo, Jaguar & Cia. -, já formaram, segundo o respeitável Le Monde, um formidável "eixo antiausteridade", cuja primeira ação foi a proposta de criar, na ONU, um Conselho de Segurança da Estabilidade Econômica e Social, espelho do atual Conselho de Segurança, do qual o Brasil, não se sabe bem por que, se empenha em fazer parte.
O objetivo da formação desse novo conselho, explicou Hollande - segundo o nosso correspondente Andrei Netto -, é garantir que nenhuma política de reforma econômica seja adotada sem um plano (talvez ele tenha querido dizer sem um estudo) do impacto sobre o aumento do desemprego e da pobreza.
Independentemente do fato de que o que isso garante, na prática, é a impossibilidade da adoção de qualquer reforma econômica, o mais provável é o novo conselho - caso chegue de fato a ser criado, na esteira da enorme força política que Brasil e França já exibiram na ONU - se mostrar tão inoperante quanto o de Segurança. O que não seria uma probabilidade lamentável, já que muito pior seria ele se mostrar operante.
A ideia é sedutora e deverá contar com a adesão antecipada de alguns países como Grécia, Espanha, um pouco a Itália, talvez a Irlanda, Portugal e Argentina. São países que puseram abaixo a austeridade e, por isso, vivem hoje em busca de meios para tentar retomar algum crescimento econômico.
A charada, embutida nos princípios da boa governança, é que a austeridade é que gera os recursos necessários para promover o crescimento econômico saudável. Ora, dadas a ansiedade das sociedades modernas e a urgência com que suas demandas precisam ser atendidas, seu corpo político - e os governos são o corpo político das sociedades - não se dispõe a esperar que a austeridade proporcione os recursos para o crescimento.
Resultado mais imediato de crescimento se obtém com endividamento, o que é uma maneira de sacar, hoje, contra a promessa de austeridade no futuro. Só que, quando chega o momento de essa promessa se cumprir, o governo de plantão não vê por que deva apertar o cinto para cumprir o trato que seus antecessores acordaram. Na verdade, vai adiando, com novos tratos e novos compromissos, a hora da verdade, até que os credores digam "chega!".
Como se dizia no tempo em que o Brasil entrou nesse processo: dívida não se paga, rola-se. Bem, rolamos até que não deu mais para rolar, naquele momento de 1982 em que o México se declarou em moratória e os guichês dos empréstimos internacionais se fecharam para todos os países "em desenvolvimento" (ainda não eram chamados de "emergentes").
Mas toda vez que governos de "centro-esquerda", no Brasil com o PT e na França com Hollande, por exemplo, chegam ao poder, torna-se moda jogar pedra na Geni da austeridade e defender as virtudes do crescimento.
No fórum parisiense, Hollande defendeu "uma virada" nas políticas macroeconômicas, com a redução da ênfase em medidas de austeridade e aumento da ênfase em estímulo ao crescimento, geração de emprego e de renda. Não sendo economista, não me aventuro a opinar, pois não sei se isso é possível nem saberia avaliar quais seus efeitos. Só sei que toda política econômica tem dupla face: uma, positiva; e outra, negativa. E o problema é saber qual o saldo líquido.
De qualquer forma, os economistas se dividem há muito tempo entre formalistas e experimentalistas. Os primeiros, orientados by the book, pelo manual; e os outros, pelo desejo de descobrir alguma fórmula que desafie o manual e de algum modo proporcione aquela satisfação especial que seria "comer do bolo e conservá-lo, ao mesmo tempo".
No Brasil do PT tem sido possível, pelo menos até agora, oferecer nacos cada vez maiores do bolo à comilança dos consumidores e fazê-lo crescer. O problema é que o crescimento do bolo tem sido a cada ano menor, sugerindo que, em algum momento, os nacos ofertados ao distinto público também terão de ser menores.
Mas essas são advertências pessimistas. O ministro Mantega, um otimista, que nunca perderá o emprego, porque nunca viu ninguém ser demitido por otimismo, garante-nos que o bolo vai voltar a crescer no ano que vem - e melhor, com nacos maiores sendo ofertados aos consumidores. Tomara!
Já sua chefe, contagiada, promete, da França, a construção de 800 aeroportos e 10 mil quilômetros de ferrovias, no seu governo. Apesar de nada disso ter acontecido em dez anos de PT, acho que esse fervor otimista não se via desde JK - que Deus o tenha! -, quando o Brasil avançou "50 anos em 5". Não foi?
17 de dezembro de 2012
Marco Antonio Rocha, O Estado de São Paulo
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