"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



domingo, 27 de janeiro de 2013

A FESTA DE ABRAHAM LINCOLN


Coisa muito boa. Um grande filme (“Lincoln”) de um soberbo diretor (Steven Spielberg), com um magnífico desempenho (Daniel Day-Lewis no papel do presidente), extraído de um belo livro (“Team of Rivals”, de Doris Kearns Goodwin) sobre um luminoso período da História, o final da Guerra Civil americana, com o triunfo do progresso sobre o atraso. 
São duas horas e meia de arte, prazer e instrução. Spielberg fez seu filme tratando das poucas semanas durante as quais Lincoln dobrou a Câmara dos Deputados, aprovou a 13ª emenda à Constituição e acabou com a escravidão nos Estados Unidos. O Sul já estava derrotado, mas a libertação definitiva de quatro milhões de negros significaria o maior confisco patrimonial da História.
 
O filme saiu do “Team of Rivals”, no qual o episódio da aprovação da emenda, com suas tramoias, ocupa menos de dez páginas. A mágica de Spielberg esteve em capturar a alma da obra de Doris Kearns Goodwin.
 
Ela trabalhou na Casa Branca, escreveu sobre os presidentes Roosevelt, Kennedy e Lyndon Johnson. (Seu marido, Richard Goodwin, assessorou os dois últimos e, em julho de 1962, defendia que os militares derrubassem logo o presidente João Goulart.)
 
O Lincoln de Daniel Day-Lewis entrará para a história do cinema como uma das melhores caracterizações de um personagem, disputando com o general Patton de George C. Scott, que era mais fácil.
 
Aquilo que parece exagero tem tudo para ser acerto. O andar de Lincoln era esquisito, sem se apoiar no calcanhar, porque tinha pés chatos. Ademais, era desegonçado mesmo. Resta só um problema: não há gravação de sua voz.
 
Spielberg cometeu poucas licenças cenográficas. Uma delas, deliberada. Na rendição do general sulista Robert Lee, Ulysses Grant, comandante das tropas do Norte, aparece com o uniforme em razoável estado e as botas limpas. Na realidade, estava enlameado e a roupa, amarfanhada. Quem os visse, pensaria que o vencedor da guerra fora Lee.

Grant recebe a rendição de Lee (à direita) - Acervo: The Granger Collection, New York
Além disso, é improvável que Thaddeus Stevens (Tommy Lee Jones) tenha levado para casa o original da emenda.

A edição americana do “Team of Rivals” tem 944 paginas. A autora fez uma versão resumida que foi publicada na França e saiu no Brasil, com um terço do tamanho. Com os cortes, sumiu a cabala narrada no filme.

O “Lincoln” acaba de chegar às livrarias. Custa R$ 34, e não tem versão eletrônica. Desse jeito, cria-se um pedágio para o uso da língua portuguesa, pois o e-book da edição integral, em inglês, sai por R$ 20,39.

27 de janeiro de 2013
Elio Gaspari é jornalista

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