Engana-se quem associa a negação
do Holocausto com a extrema-direita. O Revisionismo nasceu entre comunistas e é
a esquerda a sua maior propagadora nos dias de hoje.
Em dezembro de 2003, quando saiu
finalmente a sentença do Superior Tribunal Federal contra Sigfried Ellwanger,
toda a imprensa nacional se referiu ao editor gaúcho de livros anti-semitas como
“editor de extrema-direita”. Para quem não sabe, Ellwanger, também conhecido
como S. E. Castan, é o proprietário da Editora Revisão, dedicada
exclusivamente à publicação de propaganda nazista e de material que nega a
matança de milhões de judeus durante a Segunda Guerra Mundial.
Ellwanger e sua editora são
adeptos do Revisionismo Histórico, um movimento pretensamente acadêmico que se
dedica a tentar provar que o Holocausto judeu durante a Segunda Guerra Mundial
não passou de uma invenção. Alegam que Hitler e seus asseclas na verdade eram
umas flores de bondade e que tudo o que se publica sobre o assunto é parte de
uma grande conspiração midiática de dominação mundial por malvados judeus. As
“descobertas” (perdoem-me pelo excesso de aspas, mas elas são inevitáveis)
seriam fruto de “revisões” de depoimentos e pesquisas, daí eles se chamarem de
“revisionistas”. Em resumo, trata-se de uma mixórdia sem nenhuma sustentação
histórica, tratada com o devido desprezo por todos os pesquisadores
sérios.
De fato, a associação entre
neo-nazismo e extrema-direita é automática e ambas as expressões são encaradas
como sinônimos. Até ser processado e condenado em todas as instâncias jurídicas,
S. E. Castan agregou em torno de si um pequeno grupo de jovens que agiram em
Porto Alegre em pequenos putches anti-semitas nos anos 80 e 90. Merece
plenamente o epíteto de nazista. Mas o dito “revisionismo” (que eu prefiro
chamar de negacionismo), por mais fraudulento e mal intencionado, tem também a
sua história. E vale a pena conhecê-la.
A primeira vez em que se publicou
material que negava a existência de campos de extermínio erguidos pelos nazistas
foi na França, na década de 1950. Não por acaso, a França foi o país que menos
lutou contra a ocupação alemã durante a guerra. O Regime de Vichy foi, de fato,
cúmplice e voluntário das barbaridades nazistas e a França fora também o berço
do Affaire Dreyfus(1), e a terra de Gobineau (2) e Édouard
Drumont (3).
“Franceses nazistas”, pensará o
leitor a esta altura. Errado. Curiosamente, não foram ex-colaboracionistas os
primeiros negacionistas, mas justamente o contrário. Pierre Guilleume, militante
do grupo trotskista SOB (“Socialismo ou Barbárie”) e
posteriormente fundador da dissidência Pouvoir Ouvrier, ao lado de Serge
Thion, proprietário de uma pequena casa editora chamada La Vieille Taupe
(“A Velha Toupeira”), foram os primeiros publicadores de livros
anti-semitas baseados nestas teorias negacionistas. A estrela da “Velha
Toupeira” era um membro da Resistência, Paul Raissinier, militante comunista e
que usava sua condição como salvo-conduto.
Raissinier alegava que ao ser
capturado pelos nazistas fora testemunha do tratamento dispensado aos seus
prisioneiros. E que nunca testemunhara maus tratos a nenhum judeu enquanto
esteve preso. Logo, todos os testemunhos que atestavam a matança nos campos de
extermínio nazistas seriam falsos. O fato de que foram os soviéticos que
primeiro chegaram aos campos e registraram a matança não afetava Raissinier,
pois como trotskista ele poderia duvidar dos relatos “stalinistas” do
Holocausto. Para os trotiskistas franceses, o sionismo era a consolidação dos
planos explicitados em Os Protocolos dos
Sábios de Sião, velha fraude produzida pela polícia secreta czarista e
apresentada como uma compilação de “planos judaicos de dominação
mundial”.
Mas Paul Raissinier não era um
caso isolado. Tampouco agia por conta própria. Alguns milhares de quilômetros a
Leste da França, mais precisamente em Moscou, nascia a “sionologia”, uma
pretensa ciência sócio-política (bem ao gosto marxista) e adotada como política
acadêmica oficial na União Soviética, onde as teses negacionistas e
conspiratórias eram a base para a produção de farto material
anti-Israel.
Em 1963, Trofim K. Kichko
(posteriormente agraciado com um diploma pelo Partido Comunista da Ucrânia)
publicou pela Academia de Ciências da Ucrânia O Judaísmo sem Maquiagem,
livro que parte de um trecho de Os Protocolos dos Sábios de Sião para
afirmar que “o expansionismo e a crueldade israelense estão determinados no
Talmude”. Em 1969, Yuri Ivanov publicava Cuidado! Sionismo!, um tosco
panfleto onde o sionismo era apresentado como “uma ideologia de organizações
conectadas para a prática política da burguesia judaica e fundida com as esferas
monopolistas nos EUA”. A partir do livro de Ivanov, as obras “sionológicas”
foram consideradas leitura obrigatória na formação de quadros políticos e
militares da União Soviética e nos países sob sua esfera de influência.
Disseminados pelos formandos da Universidade dos Povos
Patrice Lumumba, os livros anti-semitas soviéticos formaram gerações de
militantes de esquerda que assimilaram e reproduziram a visão expressada pela
terceira edição da "Grande Enciclopédia Soviética" sobre o
sionismo:
“O Sionismo é um postulado
reacionário, chauvinista, racista e anti-comunista. A Organização Sionista
Internacional é detentora de grandes fundos financeiros monopolistas que
influenciam a opinião pública ocidental capitalista e serve como frente avançada
do colonialismo”.
O rompimento entre os soviéticos
e o movimento sionista ocorreu ainda antes da independência do Estado de Israel,
em 1948. Josef Stálin deseja va desencorajar o sionismo com a criação do
Birobidjão, uma república soviética onde os judeus deveriam se instalar e
permanecer, sempre tutelados sob a sombra da influência de Moscou. Stálin também
usou o sionismo e a recém fundação de Israel como pano de fundo de seu último
grande expurgo, a “Conspiração dos Médicos”.
Mesmo depois da morte de Stálin,
a União Soviética continuou frontalmente anti-Israel, embora o movimento
sionista tenha sido majoritariamente formado por militantes socialistas e por
pessoas de sólida formação marxista. Após a Guerra dos Seis Dias, em 1967,
quando Israel venceu uma coalizão de oito países sob a direta influência
política da União Soviética, a sionologia encontrou um território perfeito para
se disseminar.
Não é exagero afirmar que o
surgimento dos grupos terroristas árabes e a sionologia se retroalimentaram. Yasser Arafat foi
treinado pelo serviços secretos do leste europeu e Mahmoud Abbas,
ex-miltante do Fattah e atual presidente da Autoridade Palestina, é formado em
história pela Escola Oriental de Moscou e autor de um livro negacionista,
publicado em árabe sob o patrocínio soviético na década de 1970.
Uma das táticas mais presentes
entre os sionologistas para se respaldarem é a utilização de autores judeus. Já
nos anos 60 eram escolhidos membros dos partidos comunistas de orígem judaica
para emprestarem seus nomes às publicações. Essa prática perdurou e gerou o
surgimento de intelectuais de esquerda como Noam Chomsky e Norman Finkelstein,
que sem serem negacionistas seguem a linha mestra da sionologia de demonização
do sionismo e da identidade judaica. Curiosamente, até os mais ferrenhos
negacionistas citam Chomsky e Finkelstein como fontes para suas
idéias.
O encontro entre negacionistas,
comunistas e terroristas que formou a sionologia não impediu que militantes
neo-nazistas absorvessem o discurso sionológico. A verdade é que ao se comparar
o discurso neo-nazista com o discurso de boa parcela da esquerda não se
encontrarão muitas diferenças. O negacionismo e a sionologia fazem parte dos
discursos tanto de esquerdistas ilustres, como José Saramago e os já citados
Chomsky e Finkelstein, quanto de verdadeiros expoentes da extrema-direita, como
Lyndon LaRouche, malgrado seu passado de militante trotskista.
Curiosamente, ultra-direitistas e
ultra-esquerdistas colaboram entre si quando o objetivo é o anti-semitismo.
Comunistas como Raissinier usam de sua ideologia para separar seu discurso das
lembranças nazistas, enquanto os nazistas usam a colaboração de judeus
comunistas como salvo-conduto para escaparem da acusação de
anti-semitismo.
Seguidores brasileiros de
Siegfried Ellwanger mantêm várias páginas eletrônicas onde se encontram links,
tanto para sites onde a matança de judeus é exaltada quanto para textos
acadêmicos de esquerda onde se pode ver Norman Finkelstein “protestando contra o
uso capitalista das indenizações de guerra”. E no meio dessa mixórdia várias
“provas” de que não houve nem matança e nem expropriação de bens de judeus. A
propósito, Ellwanger nunca se apresentou nem como neo-nazista e nem como
esquerdista.
Mas o maior eco da sionologia
pode ser visto hoje nas ações e nos discursos do atual líder iraniano, Mahmoud
Ahmadinejad, que declarou em dezembro de 2005 que “o Holocausto é um
mito”:
"Fabricaram uma lenda sob o
nome de 'massacre dos judeus', e dão mais importância a isso do que a Deus, à
religião e aos profetas".
Ahmadinejad vem afirmando que “a
lenda” é o que manteria uma suposta opressão do Ocidente contra os países
islâmicos e com isso vem desafiando a comunidade internacional ao fomentar o
terrorismo e insistir em adquirir a tecnologia necessária para a construção de
armas de destruição em massa. Fora do mundo islâmico, a linha de frente que
apóia as reivindicações de Ahmadinejad tem sido – como sempre – a esquerda, cada
vez mais encantada pelo discurso sionologista.
No momento em que vemos o empenho
de uma boa parcela da opinião pública mundial em atacar Israel enquanto este
país se defende das covardes agressões de grupos terroristas, a emergência do
discurso negacionista e sionologista demonstra o sucesso que seus criadores
obtiveram e como o Terror se aproveita dele. O fato do negacionismo e da
sionologia não serem necessariamente uma criação da extrema-direita não anula o
fato de que esta também faz uso deles. Mas a ligação automática que mormente se
faz é inexata. A negação do Holocausto é criação dos acadêmicos comunistas e é a
esquerda a sua maior useira e vezeira nos dias de hoje.
20 de janeiro de 2013
Victor Gribaum
Notas do Autor:
(1)
O Caso Dreyfus em 1894, foi a falsa acusação que o oficial francês de
origem judaica Alfred Dreyfus sofreu de ser espião dos alemães. Baseado em
documentos forjados por nacionalistas franceses, um tribunal militar condenou
Dreyfus ao degredo na Ilha do Diabo. Graças a uma campanha movida pelo escritor
Émile Zola, Dreyfus foi novamente julgado e desta vez inocentado. Foi cobrindo o
Caso Dreyfus que o jornalista austríaco Theodor Hertzel criou o
Sionismo.
(2)
Joseph Arthur de Gobineau (1816 – 1882), escritor e diplomata francês e
autor do Tratado sobre a desigualdade das raças humanas, publicado em
1853 e considerado o primeiro livro de teoria racista.
(3)
Édouard Drumont (1844 – 1917), autor de La France Juive (“A
França Judia”), em que defendia a expulsão dos judeus do país, baseado na
teoria de que estes seriam conspiradores e traidores anti-nacionalistas. Foi um
dos principais propagadores de libelos anti-Dreyfus.
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