Municípios recém-instalados recebem R$ 1,3 bilhão, mas não melhoram vida de habitantes
Sem alarde, 58 municípios foram criados no Brasil na última década. Eram povoados ou distritos e hoje, com menos de 3 mil habitantes, em sua maioria, são as cidades mais jovens do país.
Na esteira dessas emancipações, ocorridas entre 2001 e 2010, vieram a criação de 31 mil cargos públicos — equivalente ao funcionalismo de Curitiba — e movimentação de recursos federais que somaram, nos últimos cinco anos, R$ 1,3 bilhão, em repasses do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Todo esse investimento, entretanto, não se reverteu em avanço dos indicadores sociais para a maioria dessas cidades.
Com raras exceções, os municípios mais novos já padecem dos velhos problemas que afetam a maioria das cidades brasileiras. As emancipações são amparadas, em geral, no discurso de que, independentes, as novas cidades terão um maior desenvolvimento local. Mas um dos índices analisados pelo GLOBO mostrou que isso não ocorreu, até agora, em quase metade das novatas cidades brasileiras. Segundo o Índice Firjan de Desenvolvimento Municipal (IFDM), da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro, 45% dos 58 municípios registraram piora de desempenho ao longo da última década.
Uma das maiores quedas sofreu a cidade gaúcha de Cruzaltense, criada em 2001 e atualmente com pouco mais de 2 mil habitantes. Ela viu sua colocação no ranking da Firjan despencar do posto de 91º município mais bem colocado no estado, em 2005, para o 310º lugar, cinco anos depois. O antigo povoado de Jequiá da Praia, única cidade alagoana no grupo das mais jovens, emancipada também em 2001, já foi a terceira cidade do estado mais bem colocada no ranking e caiu para a 26ª colocação na última pesquisa, em 2010. A mais nova cidade do Rio de Janeiro, Mesquita, também integra esse grupo. Em 2005, ela ocupava a 61ª colocação no estado e, em 2010, passou para 73ª.
O IFDM mede o desenvolvimento de todos os municípios brasileiros nas áreas de emprego e renda, educação e saúde. A Firjan utiliza-se de estatísticas públicas oficiais, disponibilizadas pelos ministérios do Trabalho, Educação e Saúde para chegar ao indicador.
Na educação, o retrato também não é dos melhores. Somente um em cada quatro municípios atingiu a meta do governo federal para o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) nas últimas três avaliações (2007, 2009 e 2011). O Ideb é o principal indicador usado hoje pelo Ministério da Educação para medir a qualidade da educação básica no país. Em relação ao índice de não alfabetização de crianças de 8 a 9 anos, um estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP) revela uma boa e uma má notícia.
A primeira é que 60% das cidades têm índices de não alfabetizados nessa faixa etária melhores do que a média estadual, segundo o Indicador Social de Desenvolvimento dos Municípios (ISDM), lançado pela FGV em 2012. A má notícia é que, entre aqueles que estão abaixo da média — o que representa 40% —, o problema assume proporções assustadoras. Em Jundiá (RN), que comemorou 10 anos de existência em 2011, 59,8% das crianças de 8 a 9 anos não estão alfabetizadas. A cidade potiguar tem a pior taxa de não alfabetização no grupo dos municípios mais jovens. Em segundo lugar, aparece Pau D’Arco do Piauí, de 3.757 habitantes, com 35,1% das crianças nessa situação.
Além de não conseguirem se alfabetizar, crianças ainda vivem outro drama: não têm onde morar, o que as obriga, junto com suas famílias, a ficar em locais improvisados, como no mercado público da cidade. Lá, vivem Mariana, de 8 anos, Cecília, de 7, e Marina, de 5, que nunca souberam o que é ter uma casa. Vivem lá desde que nasceram. A central de abastecimento virou um cortiço; seus boxes viram quartos e cortinas demarcam o espaço onde vivem as famílias. Maria Aparecida da Silva, de 25 anos, mãe das crianças, e seu marido, que é lavrador, mas vive de biscate, não têm perspectiva de melhorar a vida.
Na saúde, a situação é parecida. Relatório do Departamento de Atenção Básica, do governo federal, mostra que a maioria dos municípios novatos (67%) tem equipes do Programa Saúde da Família suficientes para atender 100% da população. O problema é que, entre os demais (19), a maioria sequer tem o programa em funcionamento. São cidades pequenas, de até 5 mil habitantes, onde bastaria uma ou duas equipes para dar cobertura a todos os moradores. Os dados são de dezembro de 2012.
No caso da mortalidade infantil de crianças de até um ano de idade, o indicador da FGV mostra cenários extremos entre as novas cidades. Em 67% dos municípios, o número de óbitos foi menor do que a média de seus respectivos estados. Porém, entre aqueles que ficaram abaixo da média (33%), há situações alarmantes como a de Capão Bonito do Sul, no Rio Grande do Sul, e de Nova Nazaré, no Mato Grosso. Na primeira, a taxa de óbitos foi de 333 para cada mil nascidos vivos, 20 vezes maior do que a taxa nacional. Na cidade mato-grossense, o índice foi de 148 mortes.
Embora a maioria das cidades já tenha passado por três gestões municipais, taxas de coleta de lixo, esgotamento sanitário e água encanada ainda têm muito o que melhorar. A quase totalidade dos municípios apresentaram números abaixo da média dos seus respectivos estados para os três serviços essenciais. Na coleta de lixo, 53 das 58 cidades (91%) têm índices piores do que a média estadual e uma a cada três não oferece o serviço nem para a metade da população. Pau D’Arco, do Piauí, tem a pior cobertura — somente 0,54% da população é atendida.
Em relação ao esgotamento sanitário, 57 das 58 cidades (98%) têm índices piores do que a média do estado — 91% dos municípios têm menos de 10% dos habitantes atendidos por sistema de esgoto. Quanto à água canalizada, em 39% das cidades o atendimento é abaixo da média estadual. Pau D’Arco, do Piauí, outra vez, aparece com a pior situação — somente 36% dos moradores têm água canalizada. Os dados são da FGV.
Um estudo para avaliar o desenvolvimento dos municípios pós emancipação começou a ser elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Os técnicos estão trabalhando na elaboração de um indicador que possa também medir o impacto dessas novas cidades no desenvolvimento das outras já existentes.
Para o diretor de Estudos e Políticas Regionais, Urbanas e Ambientais do Ipea, Rogerio Boueri, os indicadores reunidos pelo GLOBO dão uma ideia da realidade dessas cidades.
— O discurso da melhoria de vida com a emancipação, principalmente no caso dos municípios pequenos, é, muitas vezes, cortina de fumaça. É verdade que a cidade passa a administrar diretamente os repasses federais e estaduais e isso pode fazer diferença. Mas, por outro lado, ela passa a ter despesas que antes, como distrito ou povoado, não tinha. Tem uma estrutura de funcionários da prefeitura e do Legislativo para pagar. Em muitos casos, acaba sobrando menos dinheiro para investir em melhorias do que antes. Nesse contexto, os serviços que demandam escala, como coleta de lixo e esgoto, são os mais atingidos — explicou Boueri.
De acordo com a pesquisa Perfil dos Municípios de 2011, do IBGE, as 58 prefeituras mais jovens do Brasil tinham, juntas, em 2010, 31 mil funcionários. Isso sem contar o quadro de pessoal das câmaras municipais.
20 de janeiro de 2013
Silvia Amorim - O Globo
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