Mais de cinco anos depois de escapar do naufrágio, Renan Calheiros é devolvido ao leme do barco pelos ratos-do-Senado
Em outubro de 2007, depois de renunciar
à presidência do Senado, Renan Calheiros foi absolvido, em votação secreta, de
todos os crimes que recomendavam aos berros a cassação do seu mandato.
Comentei
o episódio abjeto num artigo publicado simultaneamente no Jornal do
Brasil e na Gazeta Mercantil.
Neste começo de 2013, o senador
alagoano está pronto para ser reconduzido ao cargo que desonrou.
“Os ratos
seguem no barco”, resumiu o título do artigo escrito há pouco mais de cinco
anos. O iminente retorno de Renan à presidência da Casa do Espanto avisa que os
roedores insaciáveis continuam por lá ─ e torna lastimavelmente atual o texto de
9 de outubro de 2007.
Confira:
A tropa de
choque que marcha à frente dos 45 comparsas de Renan Calheiros achou
insuficiente revogar a decência e transformar o Senado no primeiro clube de
cafajestes da terceira idade. Além do enterro da moral e dos bons costumes, seus
componentes também providenciaram a desmoralização de duas crenças promovidas a
verdades incontestáveis pelo critério da longevidade. Foram reduzidas a
crendices tão verossímeis quanto a mula-sem-cabeça.
A primeira
sustentava que, para qualquer político profissional, o instinto de sobrevivência
eleitoral sempre prevaleceria sobre tudo o mais ─ amizades de infância, alianças
históricas, convicções ideológica; tudo.
Engano, informou a absolvição de Renan.
Para livrá-lo da guilhotina, os parceiros do pecador escalaram espontaneamente o
cadafalso. Uns poucos tentaram camuflar a abjeção com minuetos patéticos. Os
outros optaram pelo suicídio com o peito estufado de
mussolini-de-hospício.
A segunda
teoria desintegrada pelo bando garantia que os ratos são sempre os primeiros a
abandonar o barco prestes a naufragar. O comportamento dos roedores a serviço de
Renan sugere que alguma mutação genética resultou no surgimento de uma
subespécie perturbadoramente audaciosa:. o rato-do-Senado.
Essa maravilha da
fauna política brasileira não tenta escapar da morte. Prefere esperar a bordo a
consumação da tragédia.
Pior:
confrontados com a ameaça letal, os ratos-do-Senado fazem qualquer negócio para
precipitar o desastre. O pelotão de sabotadores continua nos porões, agindo nas
sombras. Os demais sobem dos porões para combater no tombadilho, divididos em
dois grupos. O primeiro trata de abortar tentativas de salvamento. O segundo
cuida de manter a embarcação na rota que conduz ao afogamento
coletivo.
No momento,
penduram-se no leme quatro espécimes que atrairiam multidões de visitantes ao
mais mambembe dos zoológicos. Almeida Lima só ruge. Leomar Quintanilha só mia.
Wellington Salgado só berra. Gilvan Borges se expressa num dialeto ainda
indecifrável.
Miando, Quintanilha conseguiu fazer de Almeida Lima o relator de
outro processo contra Renan. Rugindo, Almeida Lima anunciou que não vai admitir
críticas ao seu desempenho: promete revidar com “um sapatão na cara”.
Caso se
desencadeie a guerra dos calçados, não convém contar com Welllington Salgado:
essa versão devassa de Rapunzel estará usando o chinelinho novo que ganhou de
Lula. Nem com Gilvan Borges: ele só calça sandálias de couro cru (sem meias).
Combinam com os ternos de Gilvan: todos estimulam a suspeita de que o defunto
era mais baixo e mais magro. O senador pelo Amapá explica que nunca foi de dar
muito valor a regras estéticas. A regras morais nunca deu valor
nenhum.
Se Deus
poupou JK do sentimento do medo, algum anjo caído dispensou a subespécie de
remorsos e culpas. Confiantes na indulgência das urnas e na lentidão da Justiça,
os ratos-do-Senado poderão descobrir que, mesmo no faroeste brasileiro, os
fora-da-lei que exageram no deboche podem cair do cavalo e acabar na
cadeia.
20 de janeiro de 2013
Augusto Nunes
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