Não é certo que a posição do Brasil sobre a crise da Venezuela seja decisiva, mas tomá-la publicamente seria muito positivo
Hugo Chávez é hoje como uma árvore seca do cerrado: permanece “de pé”, mas já não tem vida. Enquanto isso, seus fiéis herdeiros seguem com uma pantomima digna de Garcia Márquez. Trata-se do realismo mágico latino-americano traduzido na política, inclusive porque Chávez pode até restabelecer-se e retornar a Caracas dizendo que o tratamento foi muito duro, mas agora está curado.
Creio que pode haver três motivos para tentar explicar a situação. O mais óbvio é o temor reverencial que paralisa seus subordinados e impede que proclamem sua incapacidade ou mesmo sua morte. Os exemplos históricos são numerosos: Brehznev e Andropov na antiga URSS, Salazar em Portugal e outros.
A segunda explicação, mais comentada, seria a existência de uma luta de poder, malgrado a intenção de Chávez de designar Nicolás Maduro como seu eleito. É geralmente difícil que um governante autoritário consiga comandar sua própria sucessão de forma duradoura.
O terceiro motivo pode ser a extrema dificuldade política de tomar graves medidas econômicas como a desvalorização da moeda ou o aumento do preço dos combustíveis, sem que os governantes tenham emergido do vácuo institucional existente.
Mas a prolongação do atual estado de coisas conduz ao adensamento das núvens que pairam sobre a Venezuela, como sérios problemas de abastecimento de gêneros alimentícios, inflação e déficit orçamentário. Como escreveu recentemente o analista venezuelano Francisco Toro no “New York Times”, “nosso próximo presidente não vai ser bem-sucedido se tentar negar a simples aritmética da inevitabilidade do ajuste (econômico)”.
Na câmara de eco hermeticamente fechada da ideologia chavista, a aritmética é uma conspiração contrarrevolucionária. Sem o culto da personalidade e a autoridade que permitiu a Chávez evitar protestos populares, quem quer que o suceda vai enfrentar uma séria crise de governabilidade nos primeiros dois anos.
Será possível ter chavismo sem Chávez? Esta é a questão mais importante. A curto prazo, é muito provável que o regime se mantenha e que Maduro ganhe as próximas eleições presidenciais. Seria praticamente impossível governar o país contra o chavismo. Seus seguidores controlam quase todos os estados da federação venezuelana e acham-se entrincheirados em todos os setores do governo.
O impasse é alimentado pela ausência de pressões internas e externas por uma definição institucional. A oposição venezuelana está por demais enfraquecida para ter uma voz de peso. Mesmo entre os que não fizeram a triste romaria a Havana, nenhum governante latino-americano deu, que se saiba, uma palavra sequer sobre o impasse venezuelano.
Os Estados Unidos — outrora tão prontos a fazer declarações sobre o quadro político dos outros — preservam um silêncio completo.
O Brasil, que vinha em atitude ambígua, parece ter agora tomado a decisão de manifestar-se pela institucionalidade exortando à realização, tão logo seja possível, de eleições democráticas e a posse dos eleitos na Venezuela. Digo parece porque a informação, de fonte oculta, provém de uma grande agência de notícias e não de uma declaração pública de um representante credenciado do governo.
De todo modo, se a notícia for verídica, é muito importante que uma nação com o peso que tem nosso país na diplomacia da América do Sul tome uma posição clara e a manifeste aos atuais dirigentes da Venezuela. Assim fazendo, o Brasil estaria sendo coerente com a nossa própria Constituição, e recuperando a iniciativa que, até aqui, parecia estar apenas nas mãos dos velhos irmãos Castro.
Não é certo que nossa posição seja decisiva, mas tomá-la publicamente seria muito positivo para o Brasil.
20 de janeiro de 2013
LUIZ FELIPE LAMPREIA, O Globo
Creio que pode haver três motivos para tentar explicar a situação. O mais óbvio é o temor reverencial que paralisa seus subordinados e impede que proclamem sua incapacidade ou mesmo sua morte. Os exemplos históricos são numerosos: Brehznev e Andropov na antiga URSS, Salazar em Portugal e outros.
A segunda explicação, mais comentada, seria a existência de uma luta de poder, malgrado a intenção de Chávez de designar Nicolás Maduro como seu eleito. É geralmente difícil que um governante autoritário consiga comandar sua própria sucessão de forma duradoura.
O terceiro motivo pode ser a extrema dificuldade política de tomar graves medidas econômicas como a desvalorização da moeda ou o aumento do preço dos combustíveis, sem que os governantes tenham emergido do vácuo institucional existente.
Mas a prolongação do atual estado de coisas conduz ao adensamento das núvens que pairam sobre a Venezuela, como sérios problemas de abastecimento de gêneros alimentícios, inflação e déficit orçamentário. Como escreveu recentemente o analista venezuelano Francisco Toro no “New York Times”, “nosso próximo presidente não vai ser bem-sucedido se tentar negar a simples aritmética da inevitabilidade do ajuste (econômico)”.
Na câmara de eco hermeticamente fechada da ideologia chavista, a aritmética é uma conspiração contrarrevolucionária. Sem o culto da personalidade e a autoridade que permitiu a Chávez evitar protestos populares, quem quer que o suceda vai enfrentar uma séria crise de governabilidade nos primeiros dois anos.
Será possível ter chavismo sem Chávez? Esta é a questão mais importante. A curto prazo, é muito provável que o regime se mantenha e que Maduro ganhe as próximas eleições presidenciais. Seria praticamente impossível governar o país contra o chavismo. Seus seguidores controlam quase todos os estados da federação venezuelana e acham-se entrincheirados em todos os setores do governo.
O impasse é alimentado pela ausência de pressões internas e externas por uma definição institucional. A oposição venezuelana está por demais enfraquecida para ter uma voz de peso. Mesmo entre os que não fizeram a triste romaria a Havana, nenhum governante latino-americano deu, que se saiba, uma palavra sequer sobre o impasse venezuelano.
Os Estados Unidos — outrora tão prontos a fazer declarações sobre o quadro político dos outros — preservam um silêncio completo.
O Brasil, que vinha em atitude ambígua, parece ter agora tomado a decisão de manifestar-se pela institucionalidade exortando à realização, tão logo seja possível, de eleições democráticas e a posse dos eleitos na Venezuela. Digo parece porque a informação, de fonte oculta, provém de uma grande agência de notícias e não de uma declaração pública de um representante credenciado do governo.
De todo modo, se a notícia for verídica, é muito importante que uma nação com o peso que tem nosso país na diplomacia da América do Sul tome uma posição clara e a manifeste aos atuais dirigentes da Venezuela. Assim fazendo, o Brasil estaria sendo coerente com a nossa própria Constituição, e recuperando a iniciativa que, até aqui, parecia estar apenas nas mãos dos velhos irmãos Castro.
Não é certo que nossa posição seja decisiva, mas tomá-la publicamente seria muito positivo para o Brasil.
20 de janeiro de 2013
LUIZ FELIPE LAMPREIA, O Globo
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