Em Itinga, norte de Minas Gerais, onde há 10 anos Lula anunciou o programa, grande parte dos moradores vive do Bolsa Família e desemprego é geral
As gêmeas Raíssa e Raiane Chaves tinham apenas 4 anos quando foram levadas ao colo do recém-empossado presidente Luiz Inácio Lula da Silva quando ele anunciou, há dez anos, a construção de uma ponte para ligar as duas partes do município de Itinga, no Vale do Jequitinhonha, norte de Minas Gerais. Hoje, ao atravessarem a ponte, elas comemoram o cumprimento da promessa - pois já podem ir até o centro da cidade sem arriscar a vida nas pequenas canoas usadas para a travessia. Ao mesmo tempo, no entanto, notam que pouca coisa mudou à sua volta.
Difícil não pensar naquela ponte como um símbolo de uma década das políticas de combate à miséria dos governos Lula e Dilma Rousseff, que ampliaram os benefícios de transferência de renda à maioria das famílias mais necessitadas, garantindo alívio imediato, mas que ao mesmo tempo ainda não aumentou as oportunidades de inclusão social dos beneficiados. Como o Estado mostrou ontem, um estudo encomendado pela Christian Aid, instituição de igrejas protestantes do Reino Unido e da Irlanda que financia organizações não governamentais empenhadas em combater a miséria, a desigualdade entre os mais ricos e os mais pobres no País ainda é uma das mais altas do mundo e a oportunidade de mobilidade social ainda é muito reduzida.
Com um dos mais baixos níveis no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) no País, Itinga, a 642 quilômetros de Belo Horizonte, foi um dos locais escolhidos por Lula para levar todo o seu ministério em 2003 para tomar um "banho de realidade", como definiu o então ministro da Casa Civil, José Dirceu. Ali, acompanhado do recém-eleito governador de Minas, Aécio Neves (PSDB), Lula anunciou, além da construção da ponte, o início do programa Fome Zero. O programa acabou sendo lançado no mês seguinte em Guaribas, no Piauí.
Mas o benefício - mais tarde substituído pelo Bolsa Família - pouco mudou a vida do lugar. Com seus 14,4 mil habitantes, segundo o Censo do IBGE de 2010, a cidade tem 3.457 famílias inscritas no Cadastro Único do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome, aptas a receber algum tipo de benefício. Desse total, 2.194 recebem o Bolsa Família, com benefício médio de R$ 158,43 em outubro do ano passado, mês em que o governo desembolsou R$ 347,6 mil com o programa no município.
Uma dessas famílias é a das gêmeas, chefiada pela mãe, a empregada doméstica Maria Cláudia Chaves. No seu trabalho ela ganha apenas R$ 150 mensais, renda que é complementada com os R$ 120 do Bolsa Família.
"Antes, a gente dependia da ajuda de vizinhos até para comer", lembra Raíssa. A menina observa que "um salário mínimo mudaria a vida" da família, mas nem mesmo as jovens enxergam perspectiva de um ganho desses na cidade. Hoje, elas estudam e dizem que frequentam assiduamente a escola - uma das exigências do programa -, mas garantem que não é apenas por causa do benefício. "Temos que estudar para ter um futuro melhor", pondera Raiane.
As duas fazem parte de um contingente de 3.107 pessoas matriculadas nas 31 escolas que funcionam na cidade. Apesar de serem parte expressiva da população, os estudantes são insuficientes para mudar o perfil educacional de Itinga. O Censo de 2000 apontou que 31,02% da população itinguense era analfabeta. Já o levantamento de 2010 mostrou que, das 11.949 pessoas com 10 anos ou mais, 8.767 (73,37%) não tinham nenhuma instrução ou só tinham o ensino fundamental incompleto.
Esse baixo nível de escolaridade se reflete na renda da população, segundo o secretário de Governo do município, Marcos Elias Neto. Em 2000, a renda per capita na cidade era de R$ 328,52. Hoje, esse valor caiu para R$ 314,81. "A prefeitura é a principal empregadora da cidade. E, quem estuda e tem condição, vai embora. Quem não tem condição, fica pelas ruas", observou.
Foi a falta de perspectiva que levou o motorista de ônibus Rogério Gusmão, de 46 anos, a trocar Itinga por São José dos Campos, em São Paulo. Hoje, ele vive entre São José e Recife, mas continua passando pela cidade natal, "apenas por causa dos amigos". Ele não tem como viver em Itinga: "A cidade não oferece nada. Só volto se for aposentado, para curtir a vida".
14 de janeiro de 2013
Marcelo Portela - O Estado de São Paulo
As gêmeas Raíssa e Raiane Chaves tinham apenas 4 anos quando foram levadas ao colo do recém-empossado presidente Luiz Inácio Lula da Silva quando ele anunciou, há dez anos, a construção de uma ponte para ligar as duas partes do município de Itinga, no Vale do Jequitinhonha, norte de Minas Gerais. Hoje, ao atravessarem a ponte, elas comemoram o cumprimento da promessa - pois já podem ir até o centro da cidade sem arriscar a vida nas pequenas canoas usadas para a travessia. Ao mesmo tempo, no entanto, notam que pouca coisa mudou à sua volta.
Difícil não pensar naquela ponte como um símbolo de uma década das políticas de combate à miséria dos governos Lula e Dilma Rousseff, que ampliaram os benefícios de transferência de renda à maioria das famílias mais necessitadas, garantindo alívio imediato, mas que ao mesmo tempo ainda não aumentou as oportunidades de inclusão social dos beneficiados. Como o Estado mostrou ontem, um estudo encomendado pela Christian Aid, instituição de igrejas protestantes do Reino Unido e da Irlanda que financia organizações não governamentais empenhadas em combater a miséria, a desigualdade entre os mais ricos e os mais pobres no País ainda é uma das mais altas do mundo e a oportunidade de mobilidade social ainda é muito reduzida.
Com um dos mais baixos níveis no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) no País, Itinga, a 642 quilômetros de Belo Horizonte, foi um dos locais escolhidos por Lula para levar todo o seu ministério em 2003 para tomar um "banho de realidade", como definiu o então ministro da Casa Civil, José Dirceu. Ali, acompanhado do recém-eleito governador de Minas, Aécio Neves (PSDB), Lula anunciou, além da construção da ponte, o início do programa Fome Zero. O programa acabou sendo lançado no mês seguinte em Guaribas, no Piauí.
Mas o benefício - mais tarde substituído pelo Bolsa Família - pouco mudou a vida do lugar. Com seus 14,4 mil habitantes, segundo o Censo do IBGE de 2010, a cidade tem 3.457 famílias inscritas no Cadastro Único do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome, aptas a receber algum tipo de benefício. Desse total, 2.194 recebem o Bolsa Família, com benefício médio de R$ 158,43 em outubro do ano passado, mês em que o governo desembolsou R$ 347,6 mil com o programa no município.
Uma dessas famílias é a das gêmeas, chefiada pela mãe, a empregada doméstica Maria Cláudia Chaves. No seu trabalho ela ganha apenas R$ 150 mensais, renda que é complementada com os R$ 120 do Bolsa Família.
"Antes, a gente dependia da ajuda de vizinhos até para comer", lembra Raíssa. A menina observa que "um salário mínimo mudaria a vida" da família, mas nem mesmo as jovens enxergam perspectiva de um ganho desses na cidade. Hoje, elas estudam e dizem que frequentam assiduamente a escola - uma das exigências do programa -, mas garantem que não é apenas por causa do benefício. "Temos que estudar para ter um futuro melhor", pondera Raiane.
As duas fazem parte de um contingente de 3.107 pessoas matriculadas nas 31 escolas que funcionam na cidade. Apesar de serem parte expressiva da população, os estudantes são insuficientes para mudar o perfil educacional de Itinga. O Censo de 2000 apontou que 31,02% da população itinguense era analfabeta. Já o levantamento de 2010 mostrou que, das 11.949 pessoas com 10 anos ou mais, 8.767 (73,37%) não tinham nenhuma instrução ou só tinham o ensino fundamental incompleto.
Esse baixo nível de escolaridade se reflete na renda da população, segundo o secretário de Governo do município, Marcos Elias Neto. Em 2000, a renda per capita na cidade era de R$ 328,52. Hoje, esse valor caiu para R$ 314,81. "A prefeitura é a principal empregadora da cidade. E, quem estuda e tem condição, vai embora. Quem não tem condição, fica pelas ruas", observou.
Foi a falta de perspectiva que levou o motorista de ônibus Rogério Gusmão, de 46 anos, a trocar Itinga por São José dos Campos, em São Paulo. Hoje, ele vive entre São José e Recife, mas continua passando pela cidade natal, "apenas por causa dos amigos". Ele não tem como viver em Itinga: "A cidade não oferece nada. Só volto se for aposentado, para curtir a vida".
14 de janeiro de 2013
Marcelo Portela - O Estado de São Paulo
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