O visto brasileiro, que deve sair em até sete dias, é o único que a separa do país que ela escolheu como primeira parada internacional e onde pretende desembarcar em 18 de fevereiro.
Alejandro Ernesto/Efe | ||
Yoani Sánchez mostra seu passaporte, em mensagem no Twitter; blogueira viajará ao Brasil e à Europa |
Após 20 tentativas frustradas de deixar a ilha, a blogueira finalmente conseguirá viajar, graças à reforma migratória em vigor desde 14 de janeiro.
A mudança eliminou a "autorização de saída", mas deixou aberta a possibilidade de veto político. O regime comunista, porém, resolveu não aplicá-lo contra Sánchez dessa vez.
"Só vou gritar aaaahhh! quando tiver no avião. Mas a essa altura me impedir teria um custo político alto demais", comemora a blogueira à Folha, que a acompanhou durante quase duas horas para completar os trâmites do visto para o Brasil.
No país, seu primeiro compromisso é participar, na Bahia, do lançamento do documentário "Conexão Cuba > Honduras", de Dado Galvão. "Se há alguém que lutou até quando eu não tinha mais esperança foi ele", agradece.
Além do Brasil, ela está pedindo simultaneamente visto ao EUA, a União Europeia e deseja ainda fazê-lo nas representações de Argentina e Peru.
A agenda é extensa. A ideia é passar pela Bahia, por São Paulo, ir ao Peru e a Praga, voltar ao México para a reunião da SIP (Sociedade Interamericana de Imprensa). A última parada da primeira turnê deve ser Miami, onde mora sua irmã.
"Ela tem de sair daqui com todos os vistos. Vai que ela sai volta e não deixam ela sair de novo por ter se comportado mal?", pondera o marido de Sánchez, jornalista Reinaldo Escobar.
Estamos num "centro de negócios" de um hotel a estatal, onde uma atendente que ajuda Sánchez com um formulário online está excitada: "Tu eres letal, hem?" Gargalha a mulher, relembrando um vídeo, distribuído pela blogueira como um viral de pendrive em pendrive, em que Sánchez pergunta à funcionária de migração que lhe negava mais uma vez a autorização de saída: "Que você dirá para o seus netos?"
Agora nos deslocamos no carro soviético da família, enquanto a blogueira ignora chamadas e preenche mais um papel: "Devo ser a campeã mundial em preenchimento de fichas de visto".
A URSS voltaria à tona. Em um momento, a filóloga tomou seu novo passaporte azul, o do último reduto comunista do Ocidente, e disse: "'Versos sobre o Passaporte Soviético'... Esse era um poema de Maiakóviski que líamos no colégio, do orgulho de ser soviético". Riu.
Desmond Boylan/Reuters
Em 14 de janeiro, dia em que Cuba flexibilizou as leis migratórias, Yoani pediu seu novo passaporte
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Folha - Com o passaporte na mão, qual o seu sentimento?Yoani Sánchez - É uma sensação agridoce. Não deveria ser notícia que uma pessoa tem um passaporte e que pode embarcar em um avião. Me entristece a anomalia que é meu país, o regularmente irregular que é Cuba. Me entristece muito que há pessoas que não o terão, como os dois prisioneiros de consciência a quem negaram o passaporte.
Por que te deixaram sair agora?
A pressão, dentro e fora, era insustentável, e minha tenacidade legal também. Apesar que alguns até diziam que eu estava fazendo papel ridículo insistindo em meu direito de sair. Transformei meu caso em emblemático da limitação de movimento dos cubanos. A visibilidade ajudou. Também o fato que eu não tenho antecedentes penais, não estou em nenhum dos incisivos da nova legalidade: não sou atleta de alto rendimento, não sou imprescindível na minha área. O único que restava é o que inciso que diz que é possível negar o passaporte quando for de "interesse público".
Mas, neste caso, eles teriam que explicar muito bem porque não era de interesse público que eu viajasse...
Crê que sua viagem pode ser uma propaganda para o governo de que as reformas são verdadeiras e avançam?
É uma propaganda perigosa, se essa é a ideia, porque eu vou me comportar com uma pessoa livre, dizer tudo o que penso. Vou tratar de ser uma embaixadora do desejo de liberdade de cubanos no mundo. Se o pensamento foi "deixe-a sair para ver se se cala", foi uma má jogada política.
Por que o Brasil? E o que espera encontrar?
Não quero fazer estereótipos antes de chegar. Quero ir com a cabeça aberta. Vou à Bahia porque se alguém fez mais do que o possível --fez o impossível-- para eu sair do país foi Dado Galvão. Desde que ele filmou uma entrevista comigo em Havana para seu documentário, ele tem sido incansável. Inclusive, mesmo nos momentos em que me faltava esperança, ele a tinha.
Alguém se propôs com essa força a defender meu direito de viajar. Sei que vai ser uma viagem cheia de emoções, gostaria de conhecer o Brasil profundo. Quero ir às ruas também. Quero viver o Brasil com suas luzes e sombras
Que mensagem você vai levar?
Quero levar uma mensagem de futuro, porque já olhamos demais para o passado e o próprio presente me absorve muito. Então, minha mensagem é: Cuba está pronta para entrar no século 21. Há desejo de liberdade, desejo de mudança. Essas pequenas flexibilizações de corte econômico que Raúl Castro introduziu não são suficientes e trazem também frustação porque não trazem reforma polítca. Apesar disso, elas abriram o apetite das pessoas: queremos mais. Eu sinto agora uma efeverscência, de "que já basta". Vivo numa ilha diversa e maravilhosa que tem direito ao futuro também. Uma ilha que não é nem vermelha nem verde-oliva. É de muitas outras cores.
07 de fevereiro de 2013
FLÁVIA MARREIRO - UOL
ENVIADA ESPECIAL A HAVANA
ENVIADA ESPECIAL A HAVANA
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