A entrevista do ex-ministro Delfim Netto ajuda no debate sobre os erros da política econômica. Ele escolheu a delicada palavra “tropeços” para falar das várias trapalhadas sequenciais do governo, que vão das normas dos leilões de infraestrutura às estranhas operações fiscais, para dar a impressão de cumprimento de metas, até as ambiguidades da política cambial.
A entrevista foi concedida a Érica Fraga, da “Folha de S.Paulo”. O ex-ministro, que sempre foi uma voz em defesa das empresas, critica até a política que foi inspirada no governo militar: a escolha de “campeões” pelo BNDES, ou seja, empresas escolhidas para receberem generosos empréstimos subsidiados.
O banco acha que a concentração das empresas as farão mais fortes e capazes de competir no mercado internacional. Não é o que pensa Delfim Netto.
“Não é uma política das mais inteligentes, formar oligopsônios e oligopólios com recursos do Tesouro, porque é óbvio que não são instrumentos eficientes no processo competitivo. São contra a competição.” (Oligopólios são poucas empresas fornecendo um produto, oligopsônio é a concentração de compradores).
O ex-ministro lembrou que essa política não começou no governo Dilma, vem do governo Lula. A crítica tem endereço certo: o presidente Luciano Coutinho, que assumiu em 2007 convicto de que é preciso induzir, financiar e virar sócio na concentração de setores.
Na política cambial, o ex-ministro criticou a mudança recente de tendência. O dólar tinha subido até R$ 2,13, o ministro da Fazenda ainda dizia que havia defasagem, mas o BC entrou derrubando a cotação para atenuar o impacto inflacionário.
Essa mudança brusca de tendência espalhou prejuízos. Inúmeras empresas com dívidas em dólar, diante da alta da moeda americana, compraram proteção contra o risco de elevação ainda maior da moeda, ou seja, fizeram hedge. Como o BC deu o sinal oposto e derrubou a cotação, elas estão amargando enorme prejuízo.
“Quando o governo faz uma intervenção intempestiva no câmbio, aquelas pessoas que tomaram risco de acreditar na política de desoneração e de câmbio entraram em estado de estresse”. Acha que isso não só não ajudou a inflação, como “produziu uma dificuldade na credibilidade do governo”. Segundo Delfim, “não se pode estressar mais o setor industrial”.
Delfim sempre teve nos industriais paulistas seu apoio, quando ministro, e sua base política, quando conquistou mandato. O que se pode entender do que está falando é que não há convencimento, por enquanto, do setor empresarial para investir, o que torna mais difícil a volta do crescimento.
Em um dos pontos de crítica, o governo deu sinal de mudar. É a forma do leilão de investimento em infraestrutura. Delfim disse que o governo não pode fixar alta qualidade e um preço baixo, porque do contrário “o mercado vai responder com a porcaria que cabe dentro da taxa do retorno”. Ontem, o governo elevou a taxa.
Durante algum tempo, o discurso oficial era que estava fazendo uma privatização – não se usa essa palavra – melhor do que outros governos porque os preços seriam baixos.
Agora, o governo está numa situação em que as obras não saem, houve aumento de subsídio e de presença estatal. Mesmo assim, teve que rever a taxa de retorno para viabilizar algum investimento.
Delfim criticou a “operação quadrangular” entre Tesouro-BNDES-Caixa Econômica, para esconder o não cumprimento da meta fiscal. Disse que isso foi “exagerado”, “diminui a credibilidade do governo” e “passou a ideia de que o governo não sabe o que está fazendo”.
Depois de tudo isso, o que sobrou? Bom, a inflação está sob controle, o Brasil tem boas instituições, e o país reduz a desigualdade. Além do mais, foi correta a redução dos juros, a mudança na poupança e a queda do custo de energia.
Delfim tem sido um interlocutor da presidente. É curioso que esteja fazendo públicas críticas tão ácidas – e certeiras – como tem feito.
07 de fevereiro de 2013
Miriam Leitão, O Globo
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