"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



domingo, 3 de fevereiro de 2013

O QUE FICOU DO QUE PASSOU

 

Recente pesquisa do Ibope revela que 56% dos brasileiros afirmaram, no final de 2012, não possuir preferência por nenhum partido político, contra 44% que apontaram alguma identificação partidária. No ano anterior, em outra pesquisa, as legendas políticas foram as menos confiáveis entre 22 instituições avaliadas.
Assistimos, nos últimos anos, à lenta agonia de nossos partidos, tanto como organizações capazes de permitir que o povo participe da vida política quanto como entidades significativas na consciência do eleitor.

Os sucessivos escândalos de corrupção e o alheamento aos principais problemas da população reforçam essa percepção negativa.

O povo tem demonstrado ultimamente uma sensação de impotência, sentimento de que as agremiações políticas estão fora do alcance do cidadão comum.
Os partidos deveriam ser organizações populares com possibilidade de influenciar o Governo, isso infelizmente não acontece.
Poderiam ajudar a formular as diretrizes do Governo e fiscalizar sua implementação, não por interesses puramente partidários, mas de uma forma que se baseasse nos princípios ideológicos, na opinião popular e no interesse público.

Devemos encarar nossos partidos de maneira realista. Como são mal estruturados e mal definidos, podem ser facilmente manipulados por lideranças dispostas a ignorar ou a distorcer seus objetivos.
Agora mesmo, no Congresso, deputados e senadores defendem mandatos de condenados, não examinam vetos presidenciais, deixam o governo legislar com medidas provisórias, antagonizam-se com o Supremo Tribunal Federal, enfim só se mobilizam em defesa de seus privilégios.

O atual conjunto de regras eleitorais deveria ser substituído por um novo sistema de eleições para deputados e senadores, com o objetivo de tornar mais fácil, para os eleitores, a escolha de políticos mais bem qualificados.

Precisamos do partidarismo, não para dividir o país, mas para manter um debate saudável em nossa democracia. Se a situação e a oposição assumissem posições firmes e responsáveis, nosso sistema partidário ganharia vitalidade.

Nos últimos tempos, por todos os motivos conhecidos, o mundo parlamentar tem sido um poder alheio aos interesses da população. Mas, se deixarmos de entender o importante papel que o político pode desempenhar, estaremos condenando à morte nossos partidos. Falta a eles o resgate ético fundamental para a igualdade entre os Três Poderes.

Desafios sempre existem. E, se os partidos se pronunciarem seriamente a respeito dos assuntos relevantes ao país e lutarem nas eleições para fazer valer seus pontos de vista, adquirirão um novo significado aos olhos dos eleitores. Os políticos não devem ignorar o conhecido pensamento de Alceu Amoroso Lima: “O passado não é o que passou. É o que ficou do que passou.” O que ficou deles, até o momento, é muito ruim.

03 de fevereiro de 2013
Carlos Alberto Rabaça é sociólogo e professor. O Globo

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