"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



domingo, 3 de fevereiro de 2013

O BRASIL NÃO CONHECE O BRASIL


Do Oiapoque ao Chuí, o território brasileiro tem cerca de 8,5 milhões de km². Oficialmente, segundo o IBGE, essa é a superfície do País. No papel, porém, o território brasileiro é maior. Quando se faz a soma da área de todos os imóveis rurais cadastrados no Instituto Nacional de Colonização e Reforma (Incra), o resultado final chega a 9,1 milhões de km². É uma diferença notável: a área que sobra equivale a duas vezes o território do Estado de São Paulo. Ou, para quem se sente melhor com grandezas imperialistas, à soma dos territórios da Alemanha e Inglaterra.
 
O esticamento do território nacional foi verificado pelo Sindicato Nacional dos Peritos Federais Agrários, após obter no Incra, por meio da Lei de Acesso à Informação, dados detalhados do Serviço Nacional de Cadastro Rural - que tem a tarefa de recolher informações de todos os imóveis rurais registrados no País. O mapeamento reúne informações de 2011. As de 2012 ainda não foram compiladas pelo Incra.
 
Os peritos concluíram que o Brasil, uma das maiores potências agrícolas do mundo, está longe de ter um cadastro de terras confiável. O problema mais aparente é o que eles chamam de sobrecadastro -quando a soma das áreas declaradas pelos proprietários nos cartórios supera a superfície real do município. Nessa categoria, o caso que mais chama a atenção é o de Ladário, no Mato Grosso do Sul.
 
Dez andares. De acordo com o IBGE, a superfície daquele município alcança 34.250 hectares. Mas a soma da área dos 139 imóveis cadastrados é mais do que dez vezes maior: chega a 397.999 hectares. Dito de outra forma, para que o território cadastrado coubesse no real seria necessário erguer dez andares de terras sobre Ladário.
 
O município sul-mato-grossense chama a atenção por estar no topo da lista, mas o problema não ocorre só lá, nem é exclusividade do Brasil profundo. Palmas e Cuiabá, capitais de dois Estados que se destacam como importantes produtores agrícolas - Tocantins e Mato Grosso -, enfrentam o mesmo problema.
 
Pelas informações obtidas no Incra, dos 5.565 municípios brasileiros, 1.354 tem sobrecadastramento, o que representa cerca de um em cada quatro. A razão mais comum para o descompasso são fraudes nos registros e até erros na transcrição dos números. Mas não é só. Os peritos apontam desatualização dos registros e, sobretudo, as condições precárias em que são feitos.
 
“Quase tudo gira em torno da declaração que o proprietário faz no cartório sobre o tamanho de sua terra”, diz Fernando Faccio, perito federal do Incra em Florianópolis (SC) e porta-voz do sindicato. “Os órgãos estaduais de terras não possuem um bom mapeamento das áreas; os cartórios não têm obrigação de garantir que a terra registrada não está em cima de outra; e o Poder Público também não vai lá verificar.”
 
Para Faccio, o fato de o Brasil não conhecer sua malha fundiária é inaceitável, principalmente quando se considera que as tecnologias já existentes, como o georreferenciamento, permitem resolver o problema de maneira eficiente. “Só posso imaginar que os empecilhos no caminho da modernidade são essencialmente políticos.”
 
Terra a menos. Sobra de terra no cadastro não é o único drama. Na região Norte do País verifica-se o subcadastramento, que ocorre quando a superfície registrada é menor do que a real. A causa principal é a existência de grandes áreas de terras devolutas, controladas pelo Estado e frequentemente ocupadas de maneira irregular.
 
O sindicato estima que na região amazônica só 4% do território está cadastrado. “Os órgãos de governo não tem controle de suas terras, o que acaba favorecendo os conflitos agrários na região”, afirma Faccio.O sindicato do qual ele faz parte defende a ideia de que o Incra passe a se dedicar exclusivamente ao controle fundiário, transferindo para outros organismos a questão da reforma agrária. O órgão passaria a se chamar Instituto de Terras.
 
“Sem conhecer sua malha fundiária, o Brasil não consegue definir políticas públicas de maneira consistente, não consegue evitar a insegurança jurídica. No momento não se sabe nem quanta terra se encontra nas mãos de estrangeiros”, observa o perito.
 
O assunto atrai a atenção da presidente Dilma Rousseff desde quando era chefe da Casa Civil. Confrontada com questões relacionadas a desmatamento, conflitos agrários, políticas sociais na zona rural, a então ministra constatou que existem cadastros paralelos no Incra, na Receita Federal e nos ministérios do Meio Ambiente e da Agricultura - e que nenhum deles é confiável.
 
Na Presidência, ela tem cobrado a consolidação de um cadastro único e confiável. A ministra Gleise Hoffmann, que substituiu Dilma na Casa Civil, é uma das pessoas encarregadas de analisar a questão.
 
( O Estadão)
 
03 de fevereiro de 2013
in coroneLeaks

Nenhum comentário:

Postar um comentário