"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



domingo, 3 de fevereiro de 2013

"O ETERNO PARCEIRO"

 
O PMDB, que acaba de eleger Renan Calheiros presidente do Senado e deve repetir a dose na Câmara, com Henrique Alves, é um partido ímpar na história política brasileira.

Um partido, em tese, se constitui para o exercício direto do poder; o PMDB, não: investe no papel de coadjuvante. Descobriu nesse veio uma engenhosa forma de garantir os interesses de seus dirigentes, sem o desgaste que o exercício direto do poder acarreta.

A única experiência na Presidência da República foi com José Sarney (1985-1990), que, à época, era um recém-chegado, acomodado à legenda por imperativo legal, para compor a chapa com Tancredo Neves.

Ele acabara de fundar a Frente Liberal (depois PFL, hoje DEM), dissidência do PDS (ex-Arena), que presidira ao tempo do regime militar. Ali estavam suas raízes e amizades.

Suas relações com o PMDB de então foram, a princípio, incômodas. O partido tinha chefe, Ulysses Guimarães, uma pedra no sapato por todo o tempo em que Sarney esteve na Presidência da República. Ainda não era o partido de hoje, federação de interesses regionais, conduzido por chefes políticos interioranos.

Foi somente após a morte de Ulysses que o PMDB adquiriu o formato atual. Esteve com Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso, Lula e Dilma.

Pode-se ter dúvidas sobre quem será o próximo presidente da República, mas há ao menos uma sólida certeza: o PMDB será o parceiro principal, sócio vitalício do poder.

Cada estado é um feudo e cada feudo tem dono. Lá estão Jáder Barbalho (PA), Renan Calheiros (AL), José Sarney (AP e MA), Henrique Alves (RN), Romero Jucá (RR), entre muitos outros.

A rigor, há apenas duas exceções relevantes a essa regra: Pedro Simon (RS) e Jarbas Vasconcelos (PE), que o partido, por isso mesmo, nem contabiliza como correligionários. O grande mistério é saber por que lá permanecem.

O PMDB é a face atualizada de um velho Brasil, cujas origens remontam às capitanias hereditárias. Um Brasil que atravessou a colônia, o império, a República Velha e a Revolução de 1930.

Os coronéis-donatários modernizaram-se: usam tablets digitais, celulares de última geração, possuem redes de rádio e televisão, são donos dos principais jornais de suas capitanias.

Exercem, assim, com muito maior eficácia o papel de senhores feudais, num país de iletrados, condicionados a ver no Estado uma instância privada, da qual não são senhores, mas súditos. Trata-se, no fim das contas, de uma visão realista.

Até hoje, os brasileiros mais modestos acham que as leis trabalhistas foram gestos generosos e pessoais de Getúlio Vargas, assim como atribuem à bondade de Lula o Bolsa-Família. O populismo de direita ou de esquerda (qual a diferença?) ajusta-se como uma luva ao perfil do PMDB.

Lula, que o combateu quando na oposição, viu nele o interlocutor ideal para seu projeto político, em parceria idealizada desde o primeiro momento por José Dirceu.

Não há dobradinha mais harmônica. O partido, que é o maior do país, quer apenas a parte que lhe cabe no latifúndio do Estado, para continuar a saqueá-lo e manter seus domínios regionais.

Não tem preconceitos ou pleitos ideológicos, nem se opõe ao projeto de perpetuação do parceiro. Garantido o seu quinhão, deixa-o à vontade.

Sua única exigência, que aliás é recíproca, é a solidariedade moral em situações de flagrante delito.

Dentro desse acerto, lá estarão, por mais um biênio, Renan Calheiros no Senado, e Henrique Alves na Câmara. “A ética”, disse ontem Calheiros, “não é um fim, mas um meio”, seja lá o que isso signifique (seguramente nada que corra o risco de pô-la em cena).

Com o Congresso em tais mãos, a governabilidade – nome dado à vigência desse contrato comercial – está mais uma vez garantida. Tranquilizemo-nos todos. PT, saudações.

03 de fevereiro de 2013
Ruy Fabiano

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