"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



domingo, 3 de fevereiro de 2013

A SEDE DE LUCRO E A TRAG[EDIA EM SANTA MARIA

 

Assim como Marx só desconfiou que o capitalismo significa, antes de mais nada, a transformação de tudo em mercadoria (na célebre cobertura jornalística da lei sobre a queda dos frutos e a colheita da madeira caída nas estradas, feita para o jornal “Gazeta Renana”), o que aconteceu no Rio Grande do Sul representou o mesmo fato.



A diversão de jovens que querem curtir uma música e dançar a noite toda vira mercadoria e como mercadoria precisa dar lucro para quem a possui. A ganância não tem limites. Jovens que se divertiam no que hoje se usa para isso, as boates, morrem aos montes porque a ordem é não deixar ninguém sair a não ser que pague a conta do consumo. Foi isso.

Quando alguém usou uma pirotecnia para animar a festa e com isso pôs fogo no teto do local, os guardas ou seguranças, dá na mesma, fecharam as portas de saída e houve o de sempre: pessoas foram pisoteadas, gente cheirou mais fumaça que seus pulmões aguentam, alguns foram queimados.

Além disso, os que vivem da lucratividade das diversões andam se lixando para cuidados mínimos de segurança, como se lê a toda hora. A correria e a falta de informação podem levar – como levou – muitos a se refugiarem no banheiro, pensando ser aquele um local seguro ou apenas a porta de emergência.

Quando os pais entraram em cena, pobres pais, certamente acordados no meio da noite pela notícia do desastre, para alguns a tragédia já acontecera: seus filhos ou filhas jaziam mortos porque alguém precisava lucrar com a festa.

TUDO MUDOU

Não era assim quando morei em Diamantina, no século passado: nós arrastávamos os móveis da sala ou dos quartos e nos divertíamos ali mesmo, dançando ao som das eletrolas.
Ou íamos ao Clube Acayaca, plantado em plena capistrana, esperando os jovens loucos para tirar pra dançar a moça que tirava o sono deles, ou elas, sonhando com quem lhes atiraria uma serpentina. A felicidade e a maneira de ter prazer podem (e devem) mudar.

Não acho que tudo de antigamente era melhor do que hoje. Só que hoje deixam de ver o alvará de funcionamento do local, não vigiam o tipo de equipamento que as bandas funks ou raves ou de simples rock n’ roll vão usar e as tragédias se sucedem em Santa Maria, em Niterói, na Argentina, na Rússia, ceifando vidas muito novas, levando para o outro mundo quem deveria estar aqui nos substituindo no difícil afã de melhorar a vida da humanidade.

Valeu, devemos reconhecer, a visita imediata da presidente, do governador e do ministro da Saúde, este ainda alertando que o pior ainda pode vir para quem sobreviveu pela possibilidade da “pneumonia química”, cujos sintomas demoram a aparecer e surgem às vezes dias depois com o início de um surto de tosse.

Quero saber, porém, o que vai acontecer com os responsáveis diretos, os encarregados na prefeitura de fornecer os alvarás de funcionamento e de fazer vistorias periódicas. Porque, se nada disso acontecer, muitas outras tragédias virão marcar o já doído dia a dia de tantos brasileiros.

(Publicado no jornal O Tempo)
03 de fevereiro de 2013

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