A rotina dos deputados mensaleiros à espera da prisão. João Paulo Cunha, José Genoino, Pedro Henry e Valdemar Costa Neto traçam planos para o futuro, ainda que a cadeia seja o horizonte mais provável
Os deputados João Paulo Cunha, José Genoino, Valdemar Costa Neto e Pedro Henry (Dida Sampaio/Dorivan Marinho/Vagner Campos/Lindomar Cruz )
Na próxima semana, quatro meses depois do término do julgamento do mensalão, o Supremo Tribunal Federal (STF) publicará o acórdão detalhando cada argumento dos magistrados na condenação dos 25 políticos, empresários e assessores que participaram do maior escândalo de corrupção do país. Com a formalidade, abre-se o prazo de cinco dias para a apresentação de recursos, ainda que a maior parte dos apelos finais dos condenados seja apenas protocolar. Na prática, o acórdão é o prenúncio de que o cumprimento das sentenças se aproxima - para muitos mensaleiros, a hora de enfrentar a prisão.
Condenados por envolvimento no esquema, quatro mensaleiros têm atualmente uma rotina diferente dos demais penalizados no escândalo. Os deputados Valdemar Costa Neto (PR-SP), José Genoino (PT-SP), Pedro Henry (PP-MT) e João Paulo Cunha (PT-SP) detêm mandatos, cujas despesas são bancadas com dinheiro público. Desde que ouviram suas sentenças, os quatro não apresentaram nenhuma proposta de lei, não relataram matérias relevantes e, com exceção de Genoino, não se arriscaram sequer a um discurso em plenário.
Embora tenham optado por submergir, a presença dos mensaleiros nos gabinetes da Câmara acarretaram gastos de quase 2 milhões de reais aos cofres das Casa. Até o mês de março, apenas a gestão dos gabinetes desses deputados movimentou 1,17 milhão de reais. Com contratação de consultorias, pagamento de gasolina e selos postais, foram desembolsados outros 797 717 reais.
Valdemar - No sexto mandato consecutivo na Câmara, Valdemar Costa Neto é, dos quatro deputados mensaleiros, o que mantém as atividades políticas a todo o vapor. Apesar de atuar nos bastidores – ele próprio reconheceu após a condenação nunca ter sido um bom legislador –, continua como homem forte do Partido da República e articulador astuto na barganha por cargos públicos. A aliados, Valdemar confidenciou que não espera a redução de sua pena. Ao todo, foram sete anos e dez meses em regime semiaberto por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Ciente de que terá de acertar as contas com a Justiça, Costa Neto já começou a abrir caminho no PR para que o senador Antonio Carlos Rodrigues (PR-SP) ocupe a secretaria-geral da sigla quando seu afastamento dos quadros do partido for mesmo inevitável. Suplente da atual ministra da Cultura, Marta Suplicy (PT), Rodrigues chegou ao parlamento após um arranjo político com o PT. No ano passado, para forçar o engajamento de Marta na campanha que elegeu Fernando Haddad à prefeitura paulistana, o ex-presidente Lula conseguiu que ela fosse nomeada ministra.
Ex-presidente da Câmara Municipal de São Paulo, Antonio Carlos Rodrigues tem a missão de defender os interesses da ala paulista do PR ante o fortalecimento do braço fluminense da legenda, capitaneado pelo ex-governador Anthony Garotinho, e do grupo do senador mato-grossense Blairo Maggi.
Valdemar Costa Neto foi o primeiro dos mensaleiros a anunciar publicamente a tática de apelar à Corte Interamericana de Direitos Humanos, na Costa Rica, contra supostos erros processuais do julgamento do mensalão. Mas, para aliados, tem dito que sua intenção é evitar uma “postura Genoino” de enfrentamento ao STF.
Genoino - Ex-presidente do Partido dos Trabalhadores, José Genoino é o parlamentar mensaleiro com perfil mais beligerante entre os condenados. A petistas, afirma “ter direito à indignação”. Penalizado em seis anos e 11 meses por formação de quadrilha e corrupção ativa, ele não fala publicamente sobre o mensalão, mas passa quase todo o dia – chega ao Congresso antes das 8h da manhã – em “articulações políticas”. As “articulações políticas” já haviam sido usadas como argumento central do ex-presidente do PT para tentar se livrar da acusação de partícipe do mensalão. Mas conforme sentenciou a Justiça, a atuação do petista no esquema criminoso foi documentalmente materializada em assinaturas de empréstimos bancários fraudulentos, forjados para camuflar o desvio de dinheiro público usado na compra de apoio político no Congresso.
Mesmo sem votos suficientes para ser eleito deputado – ele chegou ao cargo apenas como suplente –, José Genoino ocupa uma cadeira na poderosa Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, colegiado responsável por analisar previamente a viabilidade de projetos de lei. “Ele fala e discursa na tribuna, mas dá para perceber que não é mais o mesmo. Perdeu um pouco do brilhantismo”, afirma um aliado na bancada do PT.
Genoino teve o apoio do PT para retornar à Câmara, mesmo já condenado no mensalão. Atualmente, tem alardeado que pretende “discutir até o fim da vida” a sentença imposta pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Experiente, relata sentir uma “sensação dura” por ter sido condenado. A correligionários, compara a condenação às dificuldades dos anos em que viveu na clandestinidade durante a ditadura militar. O advogado Luiz Fernando Pacheco, que defende o petista no processo do mensalão, resume o estado de espírito do parlamentar à espera do cumprimento da sentença: “Ele é um cliente preocupado, ansioso com o andamento do processo”.
Com patrimônio declarado de pouco mais de 170 000 reais, Genoino terá de cumprir a pena imposta por participação no mensalão em regime semiberto, podendo trabalhar normalmente durante o dia. Interlocutores arriscam que ele deverá atuar como palestrante enquanto vigorar a pena do mensalão.
Henry - Presença constante em escândalos políticos, o deputado Pedro Henry (PP-MT) cumpre o quinto mandato parlamentar consecutivo no Congresso, apesar de ter sido condenado a sete anos e dois meses por participação no mensalão. Conhecido entre desafetos como “o homem da lista” – referência a supostas exigências de propina – o parlamentar, penalizado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, anunciou que, quando a sentença for executada, pretende atender como anestesista durante o dia no Hospital Santa Rosa, em Cuiabá. Uma das sobrinhas de Henry é sócia da instituição, e ele próprio foi acusado de beneficiar o hospital com um contrato sem licitação para a realização de cirurgias ortopédicas. Aos sábados, o mensaleiro já perambula pelos corredores e consultórios médicos do Santa Rosa e, ocasionalmente, atende pacientes.
Escanteado nas últimas eleições municipais, Henry perdeu um pouco da influência no sudoeste do Mato Grosso, sua base política, mas continua nomeando aliados sem dificuldade no Executivo local. Atua sem contratempos na secretaria estadual de Saúde, onde indicou os dois últimos secretários. “Este será o último mandato do Pedro Henry. Ele vai pegar o legado político e fazer um trabalho de bastidor”, diz o aliado de primeira hora e secretário-geral do PP em Mato Grosso, Ezequiel Fonseca.
Para manter sua influência sobre os políticos mato-grossenses, Henry já trabalha para eleger no próximo ano o ex-deputado Neri Geller, que atuará em Brasília como preposto do mensaleiro. Para dar continuidade à sua atuação na área da saúde, Pedro Henry prepara ainda a inauguração de um hospital particular em Florianópolis, especializado em cirurgias bariátricas. O irmão dele, o ex-prefeito de Cáceres Ricardo Henry, deverá administrar formalmente a instituição.
No dia a dia da Câmara, Pedro Henry é discreto e não discursa em plenário desde 2009. Também não apresentou nenhum projeto de lei desde 2011. Para evitar o constrangimento de ser cobrado por seus atos, aparece publicamente nas votações apenas para registrar presença ou formalizar o voto. No intervalo entre o início da sessão e o momento de abertura das urnas para votação, prefere ficar recluso em seu gabinete.
João Paulo - Condenado a nove anos e quatro meses de prisão por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e peculato, o deputado João Paulo Cunha (PT-SP) é o quarto mensaleiro que atualmente ocupa uma cadeira no Congresso Nacional. Ele já tentou articular com a cúpula da Câmara para evitar que os mensaleiros percam seus mandatos. Ex-presidente da Casa, Cunha se reuniu com os novos dirigentes para discutir como atrasar o inevitável processo de cassação dos mandatos.
Desde que foi condenado, logo no início do julgamento do mensalão, João Paulo Cunha viu suas pretensões políticas ruírem. Foi obrigado a deixar de imediato a disputa pela prefeitura de Osasco (SP). Cabisbaixo, trancafiou-se em um quarto por quase um mês após o veredicto do Supremo. Hoje tenta concluir o curso de graduação em direito em uma faculdade particular em Brasília. A esperança do mensaleiro é de se beneficiar com a presença em sala de aula. De acordo com a Lei de Execuções Penais, a cada 12 horas de frequência escolar, incluindo a universitária, um dia de pena é abatido.
Nas aulas, Cunha costuma se sentar ao fundo da sala, afastado dos demais alunos e se recusa a debater assuntos da atualidade com os estudantes. “Nunca ouvi a voz dele”, relatou ao site de VEJA um colega de classe. O comportamento é repetido no Congresso Nacional. Apesar de integrar a cobiçada Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), não relata ou apresenta matérias de interesse do público. Na CCJ, faltou em sete das 14 reuniões do colegiado. Nenhuma das ausências foi justificada.
14 de abril de 2013
Laryssa Borges e Marcela Mattos - Veja
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