Ao interferir na formulação de políticas e se dirigir ao mercado, presidente atropela equipe econômica
Ao falar constantemente de assuntos delicados no terreno econômico, a presidente Dilma Rousseff tem deixado cada vez mais claro que o principal formulador de sua política econômica é ela própria. Dilma dá recados ao mercado, interfere diretamente na preparação de medidas e discute detalhes com técnicos do Ministério da Fazenda e de outras pastas, muitas vezes, sem falar com os titulares. Esse estilo tem gerado preocupação e constrangimento entre integrantes da equipe econômica.
Num episódio recente, a presidente disse, durante reunião dos países dos Brics na África do Sul, que não concorda com medidas de combate à inflação que comprometam o crescimento da economia. A declaração, dada ao lado de Tombini e Mantega, foi feita na frente de uma plateia de jornalistas. Imediatamente o mercado interpretou a frase como uma pressão para que o BC segurasse os juros num momento delicado, em que a inflação está alta.
O IPCA acumulado em 12 meses fechados em março atingiu 6,59%, superando o teto da meta fixada para o ano, que é de 6,5%. Logo depois da repercussão negativa de seu comentário sobre inflação, Dilma mandou Tombini tentar consertar a situação usando a imprensa e chegou a dizer que suas palavras foram manipuladas.
— A presidente não deveria falar tão frequentemente sobre questões conjunturais da economia. Muito menos bater boca com pessoas ligadas ao mercado financeiro, como aconteceu recentemente na África do Sul. Este comportamento traz desgastes desnecessários e passa a impressão de que seus ministros não têm autonomia para conduzir o dia a dia de suas áreas. No caso de assuntos relativos ao Banco Central esse desconforto é ainda maior, pois existe o tal pressuposto da independência operacional de nossa autoridade monetária — afirmou o economista Luiz Carlos Mendonça de Barros, ex-presidente do BNDES e sócio-fundador da Quest Investimentos.
Já o economista-chefe da Gradual Investimentos, André Perfeito, ressaltou que uma sinalização errada ao mercado pode causar estragos na economia num momento em que há muita volatilidade e onde uma fuga de capitais pode ocorrer facilmente.
— Não há problema no fato de a presidente falar de economia. Isso é comum. Mas é preciso ter cuidado na comunicação com o mercado. Vivemos tempos muito líquidos. Isso acarreta um peso muito grande à coordenação das expectativas dos agentes — afirma Perfeito. — O que me incomoda um pouco é um viés ideologizado que ela adota e que vê no mercado um antagonista.
‘Mais clareza e sem dubiedades’
Para Mendonça de Barros, o país está perdendo a batalha da comunicação com os investidores em mercados de ações e de títulos brasileiros, os chamados investidores em portfólio.
— Não por outra razão o mercado de ações brasileiro é um dos que mais vem sofrendo na comunidade dos países emergentes. Este grupo de investidores é muito sensível à postura do governo em relação à liberdade dos mercados e dos compromissos macroeconômicos de ordem geral. O governo precisa passar aos investidores com mais clareza e sem dubiedades os principais objetivos de sua política econômica — disse.
Nos bastidores, os técnicos do governo garantem que o BC tem autonomia de fato e que a presidente dá total liberdade para que a autoridade monetária avalie a necessidade ou não de subir os juros. No entanto, não é isso que ela passa quando fala publicamente.
A impressão de que a presidente interfere diretamente nas ações do Comitê de Política Monetária (Copom) se tornou tão forte que há quem diga que o BC subirá os juros já na próxima semana só para mostrar que é independente e não age de forma leniente com a inflação.
Outro problema apontado pelos técnicos do próprio governo na postura de Dilma é que, por entender de economia e ter o chamado estilo “gerentona”, a presidente acaba acelerando o anúncio de medidas que ainda não estavam completamente fechadas ou atrasando o andamento de projetos que precisam sair do papel. Um exemplo disso foi a desoneração da cesta básica, que deveria ser anunciada em maio. Preocupada com a alta da inflação, a presidente decidiu na última hora anunciar a redução dos impostos no Dia Internacional da Mulher (8 de março) para tentar segurar os preços dos alimentos.
Como sempre, a Receita Federal fez simulações como uma enorme lista de produtos que poderiam ser incluídos ou não no benefício. Assim, o valor da renúncia poderia variar de R$ 3 bilhões a R$ 7 bilhões. O maior valor acabou sendo o escolhido. No entanto, até o último minuto, os técnicos do Fisco e do Tesouro não sabiam com qual número deveriam trabalhar.
14 de abril de 2013
Isso porque, ao se dirigir diretamente ao mercado, Dilma interfere na comunicação do governo com os agentes financeiros e enfraquece a imagem dos chefes de sua equipe: o ministro da Fazenda, Guido Mantega, e o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini. Essa conduta é considerada perigosa em momentos como agora, quando há alta liquidez e instabilidade na economia mundial.
Num episódio recente, a presidente disse, durante reunião dos países dos Brics na África do Sul, que não concorda com medidas de combate à inflação que comprometam o crescimento da economia. A declaração, dada ao lado de Tombini e Mantega, foi feita na frente de uma plateia de jornalistas. Imediatamente o mercado interpretou a frase como uma pressão para que o BC segurasse os juros num momento delicado, em que a inflação está alta.
O IPCA acumulado em 12 meses fechados em março atingiu 6,59%, superando o teto da meta fixada para o ano, que é de 6,5%. Logo depois da repercussão negativa de seu comentário sobre inflação, Dilma mandou Tombini tentar consertar a situação usando a imprensa e chegou a dizer que suas palavras foram manipuladas.
— A presidente não deveria falar tão frequentemente sobre questões conjunturais da economia. Muito menos bater boca com pessoas ligadas ao mercado financeiro, como aconteceu recentemente na África do Sul. Este comportamento traz desgastes desnecessários e passa a impressão de que seus ministros não têm autonomia para conduzir o dia a dia de suas áreas. No caso de assuntos relativos ao Banco Central esse desconforto é ainda maior, pois existe o tal pressuposto da independência operacional de nossa autoridade monetária — afirmou o economista Luiz Carlos Mendonça de Barros, ex-presidente do BNDES e sócio-fundador da Quest Investimentos.
Já o economista-chefe da Gradual Investimentos, André Perfeito, ressaltou que uma sinalização errada ao mercado pode causar estragos na economia num momento em que há muita volatilidade e onde uma fuga de capitais pode ocorrer facilmente.
— Não há problema no fato de a presidente falar de economia. Isso é comum. Mas é preciso ter cuidado na comunicação com o mercado. Vivemos tempos muito líquidos. Isso acarreta um peso muito grande à coordenação das expectativas dos agentes — afirma Perfeito. — O que me incomoda um pouco é um viés ideologizado que ela adota e que vê no mercado um antagonista.
‘Mais clareza e sem dubiedades’
Para Mendonça de Barros, o país está perdendo a batalha da comunicação com os investidores em mercados de ações e de títulos brasileiros, os chamados investidores em portfólio.
— Não por outra razão o mercado de ações brasileiro é um dos que mais vem sofrendo na comunidade dos países emergentes. Este grupo de investidores é muito sensível à postura do governo em relação à liberdade dos mercados e dos compromissos macroeconômicos de ordem geral. O governo precisa passar aos investidores com mais clareza e sem dubiedades os principais objetivos de sua política econômica — disse.
Nos bastidores, os técnicos do governo garantem que o BC tem autonomia de fato e que a presidente dá total liberdade para que a autoridade monetária avalie a necessidade ou não de subir os juros. No entanto, não é isso que ela passa quando fala publicamente.
A impressão de que a presidente interfere diretamente nas ações do Comitê de Política Monetária (Copom) se tornou tão forte que há quem diga que o BC subirá os juros já na próxima semana só para mostrar que é independente e não age de forma leniente com a inflação.
Outro problema apontado pelos técnicos do próprio governo na postura de Dilma é que, por entender de economia e ter o chamado estilo “gerentona”, a presidente acaba acelerando o anúncio de medidas que ainda não estavam completamente fechadas ou atrasando o andamento de projetos que precisam sair do papel. Um exemplo disso foi a desoneração da cesta básica, que deveria ser anunciada em maio. Preocupada com a alta da inflação, a presidente decidiu na última hora anunciar a redução dos impostos no Dia Internacional da Mulher (8 de março) para tentar segurar os preços dos alimentos.
Como sempre, a Receita Federal fez simulações como uma enorme lista de produtos que poderiam ser incluídos ou não no benefício. Assim, o valor da renúncia poderia variar de R$ 3 bilhões a R$ 7 bilhões. O maior valor acabou sendo o escolhido. No entanto, até o último minuto, os técnicos do Fisco e do Tesouro não sabiam com qual número deveriam trabalhar.
14 de abril de 2013
Martha Beck - O Globo
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