Nos dias de hoje é preciso ter cuidado, há quem fique a favor de qualquer invasão, quando ouve falar em luxo
Tive medo quando vi as fotos dos índios que invadiram o hotel Fazenda da Lagoa, no sul da Bahia. Há pouco tempo, um ou dois meses, conheci o hotel, através de um programa de TV sobre arquitetura; o local parecia o paraíso sobre a terra.
Era mesmo muito bonito, e dizer que era um hotel de luxo é maneira de falar; na verdade, os bangalôs, a decoração feita apenas com o artesanato local, os jardins, era tudo que podia haver de mais simples e mais brasileiro, e de um enorme bom gosto, o que o tornava luxuoso, no sentido puro da palavra (nos dias de hoje é preciso ter cuidado com esta palavra, pois há quem fique a favor de qualquer invasão, quando ouve falar em luxo).
Saber que uma propriedade foi invadida traz insegurança, e fico pensando no que deve ter sido para os donos que trabalharam dez anos para fazê-lo admirado no mundo todo. A Funai fez com que os índios saíssem do hotel, mas e se eles voltarem, qual a solução? Botar um bando de seguranças em volta do hotel, no meio dos coqueiros?
Por mais que o mundo seja hostil, não há refúgio que nos pareça mais seguro do que nossa casa, seja ela um castelo ou um casebre; é nela que nos sentimos protegidos, e quando se imagina que esse espaço pode ser violado, vem o grande medo.
Já me aconteceu: há muitos anos, cheguei em meu apartamento e encontrei-o todo revirado; tinha sido assaltado. Foi terrível ver minhas gavetas abertas, minha cama usada, a casa toda mexida. O roubo não teve importância, diante da violência que foi a invasão de minha casa.
E agora vamos a meu assunto predileto, atualmente: a PEC das domésticas, e são duas historinhas verdadeiras. Uma amiga foi contratar uma empregada, e se surpreendeu com a proposta da candidata: por razões pessoais, ela propôs um horário de 16h às 21h.
Minha amiga ficou radiante: ela sai de casa para o trabalho às 10h e chega, dependendo do trânsito, entre 18h e 19h. Assim, teria quem lhe preparasse um jantarzinho, mas aí, pensou, seria hora extra noturna o que para ela seria muito caro.
A pretendente ao emprego só estava disponível nesse horário, e como não encontrava trabalho, abriu mão da hora extra noturna, só queria um bom salário. Se acertaram, mas aí criou-se o problema. Segundo a PEC, mesmo as duas partes estando de acordo e assinando um contrato, não pode, pois fica fora da lei. E agora?
Outro caso: um casal muito muito rico, tem duas empregadas há uns 15 anos, que dormem no emprego. Quando veio a PEC, a dona da casa -que não suporta a ideia de ter um livro de ponto em casa, e ao mesmo tempo quer ter o direito de pedir um chá às 10h da noite-, fez as contas com o contador, soube o quanto lhe custaria pagar as horas extras, e chamou as duas para conversar.
Nenhuma delas queria virar diarista, pois estavam gostavam do emprego e tinham, cada uma, seu quarto confortável, ar condicionado e televisão; foi combinado, então um bom aumento. Os principais direitos elas já tinham, foi então acrescentado o FGTS, e como nenhuma das duas pretendia ter filhos, os auxílio creche e maternidade estavam fora da questão.
O que o empregador não aceitava era se sentir vigiada pelo Grande Irmão, de George Orwell, a cada vez que pedisse um chá às 10h da noite. As partes se acertaram, mas talvez estejam vivendo na ilegalidade.
Tenho a impressão que o governo está interferindo um pouco mais do que o tolerável na relação entre empregado e empregador no trabalho doméstico.
P.S.: O prefeito do Rio inventou uma multa altíssima para quem jogar um só amendoim nas ruas da cidade.
Quem comprar um chiclete no jornaleiro vai ter que engolir o papel, pois as (poucas) latas de lixo do Rio são do tamanho de uma sacola Chanel.
14 de abril de 2013
Danuza Leão, Folha de São Paulo
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