Ano passado, manifestei meu espanto ao ver que a Veja a capa e mais nada menos que treze páginas a um best-seller vagabundo, intitulado Cinqüenta tons de cinza. Que é o primeiro de uma trilogia girando em torno ao sexo sadomasoquista. Segundo os jornais, até hoje está vendendo mais que pão quente. Que a Veja divulgue lixo quando fala de artes, isto virou rotina. Há muito a revista não sugere a seus leitores livro ou filme que preste. Seus redatores preferem comentar o que está vendendo bem. E o que está vendendo bem, quando se fala em cinema ou literatura, normalmente não presta.
Pensei comprar o livro para comentá-lo. Mas não vou comprar lixo – disse a meus botões – só para constatar que é lixo. Foi quando uma amiga manifestou interesse pelo livro. Ok! Compro, dou uma olhadela e depois o repasso. Comprei.
Quinhentas páginas de péssima literatura, estrategicamente entremeadas, cá e lá, por alguns orgasmos. No pior estilo ianque, diálogos conduzem a ação ao longo do calhamaço. A impressão que se tem é que a autora só sabe falar, mas não escrever. Obviamente, não li a coisa toda. Durante a noite, li umas quarenta ou cinqüenta páginas, sem encontrar um segundo sequer de espírito ou inteligência. A personagem, uma estudante de Letras, se contenta em narrar monotonamente seus embates com um milionário chegado às práticas sadomasoquistas.
Quem me acompanha, conhece minha ojeriza aos best-sellers. Se um livro vendeu de repente um milhão de exemplares, este é um de meus critérios para não comprá-lo. Não existe tanta gente inteligente no mundo. Não existe um único best-seller em minha biblioteca. Aliás, quando saio atrás de um título, tenho de trotar entre uma livraria e outra, pois trata-se de livro geralmente pouco divulgado.
Quem acredita em tudo que lê, melhor não tivesse aprendido a ler, diz um provérbio oriental. Vou mais longe. Quem se nutre de best-sellers, nem devia ter aprendido a ler. Costumo afirmar que fora da leitura não há salvação. Em meus dias de universidade, uma aluna me perguntava. Professor, é verdade que a leitura pode transformar a gente? Ora, é uma das poucas coisas que realmente transformam, eu diria. Pessoas, viagens, encontros, doenças, adversidades sempre mexem com nossas vidas. Mas a leitura continua sendo o método mais eficaz de mutação.
Os leitores de best-sellers, estes cidadãos que sempre buscam comprar os livros anunciados como mais vendidos nas revistas e jornais, estão sendo duplamente esbulhados. O primeiro esbulho é o fato de comprarem obras feitas de encomenda para o mercado. O segundo é que os mais vendidos não são assim tão vendidos. Em 2006, a diretora editorial Luciana Villas-Boas trazia à tona, em entrevista à Folha de São Paulo, este segredo de polichinelo:
"Quando comecei a trabalhar na Record, em 1995, via que apareciam na imprensa números de venda de nossos livros muito diferentes daqueles que eu conhecia internamente. Fui indagar, e me disseram: 'Você não sabe do fator 2? É usado por toda a indústria editorial'. E isso significava duplicar todos os números para efeito de divulgação. Naquela época, particularmente, os números da indústria editorial eram melancólicos", conta Villas-Boas. "Pedi que isso não fosse mais feito, o que aconteceu".
Ou seja, os paulos coelhos e verissimos da vida certamente vendem muito, mas não tanto quanto dizem. Outros editores entrevistados pelo jornal dizem, pudorosamente, jamais ter ouvido falar - ou apenas ter ouvido falar - da malandragem. É curioso que ainda não tenha ocorrido aos auditores fiscais da Receita Federal confrontar declarações de renda de escritores com as tiragens declaradas. Tampouco ocorreu aos jornalistas questionar essas edições fantásticas e seus autores maravilhosos.
Leio de novo na Veja esta fórmula de fabricar best-sellers. No fim do ano passado, o produtor de Hollywood Bob Rehme, executivo da Paramount, revelou que em1969 foi encarregado de promover o filme Bravura indômita (True grit), que valeu o Oscar a John Wayne.
Ocorre que a Paramount havia comprado os direitos do livro homônimo, de autoria de Charles (que está sendo lançado no Brasil pela Alfaguara), antes mesmo de sua publicação. Apostava num sucesso de vendas, sobre o qual erguera toda a estratégia comercial do filme: “baseado no best-seller” era uma frase fundamental nos cartazes. Mas, embora o livro tivesse colhido boas resenhas, o aguardado sucesso se recusava a vir.
Aproveitando-se do fato significativo de que uma pequena fração da verba promocional do filme à sua disposição era suficiente para comprar milhares de exemplares de qualquer livro do mundo, Bob Rehme mandou fazer exatamente isso. Não sem antes, levantar a relação das livrarias que o New York Times monitorava para apurar sua lista de mais vendidos.
Nunca um lugar no alto do rol de best-sellers foi tão garantido. É o que deve ter acontecido a Cinqüenta tons de cinza e todo lixo que inunda as livrarias, não só do Brasil como também dos demais países. O leitor, como um cordeirinho, cai na armadilha dos números armada por autores e editores.
03 de abril de 2013
janer cristaldo
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