"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quarta-feira, 3 de abril de 2013

PARA QUE NÃO SE ESQUEÇA

 

Passados oito meses da definição de seus membros e efetiva instalação, o tempo faz-se propício para que possa partilhar com todos minha vivência nessa missão, ainda que inconclusa, ainda que a retratar experiências não encerradas.
De plano, que se assente, com total certeza, a imprestabilidade da argumentação a bradar o caráter revanchista da Comissão Nacional da Verdade porque dois lados existem e, então, como não se investigar, também, a conduta dos que, politicamente, se opuseram ao Estado ditatorial militar?
Não há dois lados, na verdade não há lado algum, mas uma única realidade, normativamente caracterizada.

Com efeito, como está mesmo na Exposição de Motivos que fundamentou a Lei nº 12.528/2011, que criou a Comissão Nacional da Verdade, com a Lei nº 9.140/1995, ficou assentado que o Estado brasileiro, por seus agentes públicos, cometeu graves violações em detrimento da pessoa.



Ora, por tal razão, que é cristalina, a Comissão Nacional da Verdade deve cuidar exclusivamente de averiguar os fatos consumados por agentes públicos, dado que com a edição da Lei nº 9140/1995, cujo ciclo normativo a Lei nº 12.528/2011 encerra, reiterando o que acima disse, o Estado brasileiro reconheceu como mortos, por seus agentes públicos, “pessoas que tenham participado ou tenham sido acusadas de participação em atividades políticas” (artigo 1º da Lei nº 9140/1995).

Assim, a muitos dos opositores do estado ditatorial militar em momento algum garantiu-se-lhes regular processo. Foram arbitrariamente sequestrados, presos, torturados, mortos e desaparecidos pelos agentes públicos da repressão oficializada.

É fora de dúvida que esses agentes públicos, não importa a posição em que tenham figurado, conspurcaram o bom nome das instituições a que serviam, que com eles não devem ser confundidas.
Não tem cabimento algum dizer-se, nesse passo, que “cumpriam ordens superiores”.

Ora, é da tradição do direito universal que só se escusa a alegação de pautar-se no cumprimento de ordem de superior hierárquico quando essa ordem não seja manifestamente ilegal.

Por-se a torturar; dispor-se a matar, inclusive fazendo desaparecer, quem já se encontrava totalmente subjugado, obviamente não escusa ninguém, justo por assim se caracterizarem gravíssimas violações aos direitos humanos.

A Comissão Nacional da Verdade tem o dever legal, portanto, de buscar esclarecer essas situações.
Essa missão é sua, mas necessita empreendê-la com todos.
Por si, e em si mesma, a Comissão Nacional da Verdade não chega a lugar algum.

Eis por que todos nós, membros da Comissão Nacional da Verdade, concretamente já percorremos vários Estados-membros da Federação brasileira, e continuaremos a percorrer os demais, incentivando e dialogando para que Comissões, sejam elas oficiais, sejam elas da sociedade civil, surjam para contínuo trabalho conjugado, e sigam adiante, mesmo após o fim de nosso mandato.

Além de esclarecer — já o disse antes — os mais vários episódios que marcaram o período do Estado ditatorial militar, é missão de todos nós, claro propulsionada pela Comissão Nacional da Verdade, estabelecer permanente rede protetiva da democracia, para que jamais, em solo brasileiro, as gerações presentes e as gerações futuras sejam arrastadas e padeçam dos desmandos brutais e incontrolados do estado ditatorial militar.

Creio, firmemente, ser esse o escopo maior devido por todos nós aos que quedaram vitimados pela truculência descomedida do estado ditatorial militar.

O resgate da memória é a garantia do presente livre: unidade na diversidade. O resgate da verdade é a certeza do presente no futuro: novidade na continuidade.

03 de março de 2013
Cláudio Fonteles é integrante da Comissão Nacional da Verdade
O Globo


UMA RESPOSTA AO TEXTO "PARA QUE NÃO SE ESQUEÇA"
 
Meu caro Cláudio Fontelles, colega de turma ginasiano e amigo há 55 anos:
 
Reli em 03/04/2013, à pg 23 de O Globo, seu artigo “Para que não se esqueça”, abordando a Comissão Nacional da Verdade (CNV).
 
Sim, reli, porque você já o havia enviado a mim há algumas semanas, através de seu blog.
 
Obrigado pela consideração, mas não posso aceitar o que você ali postou. Por favor, não seja parcial: o texto da lei que criou a CNV é muito claro e genérico, não restringe a investigação às violações praticadas pelo Estado - logo, são todas, inclusive as da esquerda em que você militou quando jovem.
 
Argumentar com a "inexistência de dois lados" (não houve terrorismo?), como você fez, invocando a Lei dos Desaparecidos, de 1995, que é especificamente indenizatória e já rendeu seus frutos, fazendo uma conexão espúria entre ela e a da CNV, é apelação; é fazer pouco de nossa inteligência, ao comparar coisas heterogêneas; é aproveitar-se do fato de os derrotados de ontem estarem no poder hoje – e inverto seu título - “para que se esqueçam” o agit-prop leninista, a subversão e a violência que levaram à contrarrevolução de 1964; tristemente, há pouco mais de uma década tudo isso tem voltado a se insinuar, num proselitismo cada vez mais acentuado, graças àqueles que posam hoje de paladinos da democracia, mas ainda acreditam numa ideologia fracassada, ditatorial, que matou milhões de pessoas mundo afora e foi lançada ao lixo da História em 09/11/1989, junto com o Muro de Berlim.
 
Decididamente, não é esse o fervoroso católico e franciscano Cláudio Fontelles que conheci. De qualquer forma, trago-lhe, como de costume, nossas mais que cinquentenárias saudações maristas - ad majorem Dei gloriam – que contraponho às marxistas que parecem ter voltado a seduzi-lo.

07 de abril de 2012
Gil Cordeiro Dias Ferreira é Oficial de Marinha reformado e Administrador.

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