Quem viu e ouviu a pronunciamento da presidente da República ficou com a impressão de que se tratava de um governo começando agora e não de uma gestão que responde pelo que foi — e não foi — feito no país nos último 10 anos
O pronunciamento da presidente Dilma Rousseff contém erros e acertos.
A presidente acertou ao convocar, mesmo que com atraso, a rede nacional de rádio e TV — a primeira realmente necessária em sua administração — para apresentar à população e ao mundo a palavra do governo brasileiro sobre os últimos acontecimentos.
Errou, no entanto, no conteúdo. Reproduziu exatamente o tipo de ação política que está sendo rechaçada nas ruas de todo o país. Fez um discurso dissociado da verdade, reforçando a política como território distante de valores e da própria realidade.
A presidente perdeu uma oportunidade única de se conectar com a população. Para isso, precisaria ter reconhecido erros e responsabilidades para, em seguida, ter a legitimidade de transformar essa extraordinária manifestação por desejo de mudanças em combustível para uma verdadeira transformação no e do país.
No entanto, escolheu fazer um discurso que reproduz o tradicional jeitinho de fazer política no Brasil: empurrando os problemas para debaixo do tapete, fingindo que não tem nada a ver com o que está acontecendo, que é tudo responsabilidade dos outros, que só não fez melhor porque não foi permitido.
Fez, assim, um discurso como se a população brasileira fosse formada por alienados e desinformados. Ela [a população] está nas ruas justamente mostrando que não é.
A presidente falou no seu compromisso com a transparência e com a luta contra a corrupção. Enquanto isso, no Brasil real, a mesma presidente proíbe a divulgação dos gastos das suas viagens ao exterior e, pensando nas eleições, abriga novamente no governo a influência de pessoas que ela mesma havia afastado sob suspeita de desvios.
Como forma de tentar demonstrar compromisso com a saúde, a presidente disse que os investimentos federais nesta área vêm aumentando, quando todo o país sabe que a participação do governo federal nos gastos nacionais do setor vem caindo de forma acentuada há 10 anos, desde que o PT assumiu o governo.
Quando todo o país sabe que o governo se empenhou especialmente para impedir que a regulamentação da Emenda 29 fixasse patamar mínimo de 10% de investimento no setor para a esfera federal.
Com o foco das manifestações no transporte coletivo, a presidente diz agora que enfim discutirá o assunto.
Nenhuma palavra para o fato do seu governo agir exatamente no sentido oposto: faz desonerações isoladas para atender lógicas e interesses específicos, estimulando a aquisição de veículos individuais e defendendo projetos mirabolantes, como o trem bala, em detrimento de investimento em metrôs das grandes cidades.
Depois de gastar milhões em publicidade para colocar o governo federal à frente das obras dos estádios, agora, candidamente, a presidente diz que nada tem a ver com isso, resumindo os recursos empregados a financiamentos a serem pagos por estados e empresas.
Nenhuma palavra sobre os recursos de Tesouro Nacional que estão abastecendo os cofres do BNDES.
Nenhuma observação sobre a óbvia constatação de que os recursos que estão financiando estádios poderiam estar financiando metrôs, estradas e hospitais.
Mas há, nessa afirmação da presidente, um aspecto positivo.
É a primeira vez que o governo reconhece que obras realizadas por meio de financiamentos não devem ser consideradas obras federais, já que são recursos que serão pagos pelos tomadores.
Registra-se, assim, uma nova e mais justa leitura sobre programas como o Luz Para Todos e o PAC, nos quais as obras realizadas com os financiamentos — que serão integralmente pagos por empresas, estados e municípios — têm sido apresentadas — sem nenhuma cerimônia, como obras da União.
Ao invés de dizer ao país que o governo não investiu na Copa — como se alguém pudesse acreditar nisso — não seria mais honesto mostrar as razões que levaram o governo a lutar pela oportunidade de realizá-la e depois investir nela?
Não seria mais respeitoso com os milhões de brasileiros que estão nas ruas reconhecer a parcela de responsabilidade do seu governo — que, registre-se, não é só dele — com os problemas enfrentados hoje pela população?
Ao invés de oferecer aos brasileiros mais uma vaga carta de intenções, não teria feito melhor a presidente se tivesse se comprometido com medidas concretas?
Se tivesse dito que orientaria o seu partido no Congresso a desistir de retirar poderes do Ministério Publico e de impedir a criação de novos partidos? Ou, como bem disse o Senador Agripino Maia, se dissesse que procuraria o presidente do STF para manifestar apoio à conclusão do processo do mensalão?
Quem ouviu a pronunciamento da presidente da República ficou com a impressão de que se tratava de um governo começando agora e não de uma gestão que responde pelo que foi — e não foi — feito no país nos último 10 anos.
Através da voz da presidente, a velha política falou ao novo Brasil que está nas ruas. Pena.
24 de junho de 2013
Aécio Neves, Senador da República e presidente Nacional do PSDB
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