"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quinta-feira, 4 de julho de 2013

ACUADO E HUMILHADO, O GOVERNO DILMA AINDA TENTA EVITAR CRISE MAIOR NA BASE

 
O enterro do plebiscito para forçar uma reforma política, anunciado agora há pouco, é uma tentativa do governo em evitar o pior: o descontrole total de sua base parlamentar, que já insinuou abrir múltiplas caixas de Pandora desde que o Planalto deu sua resposta aos protestos nas ruas brasileiras.
 
Em menos de duas semanas, a articulação política de Dilma Rousseff passou da ousadia à humilhação. Tudo começou na segunda-feira passada, quando a presidente anunciou que proporia um plebiscito visando formar uma constituinte exclusiva para a reforma política.
 
A ideia durou menos de 24 horas, basicamente porque esqueceram de consultar os constitucionalistas sobre sua legalidade. E o vice-presidente Michel Temer (PMDB-SP) é um deles, e dos respeitados.
 
Ainda assim, o governo insistiu na ideia do plebiscito. Fazia sentido: os protestos de junho passam por uma crise de representatividade.
 
Logo, parecia lógico dar ao povo algum instrumento de inserção no processo político --ainda que a consulta prévia pareça incompatível com uma discussão complexa como a da reforma, e que ela era a preocupação de apenas 1% dos manifestantes sondados pelo Datafolha em um dos atos em São Paulo.
 
O problema então foi tentar passar o caso ao Congresso, que ficou com a batata quente. Todos na base aliada sorriram em público e disseram que o plebiscito era uma ótima ideia. A oposição disse que um referendo, ou seja, uma consulta posterior, fazia mais sentido.
 
Nos bastidores, o que houve foi a reação ao atropelamento do Congresso. Aos poucos, referendo virou discurso na base também. Os caciques do PMDB que mandam no Congresso, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), Renan Calheiros (PMDB-AL) e Eduardo Cunha (PMDB-RJ) trataram de preparar o velório do plebiscito e a desengavetar projetos relativos à reforma política.
 
Até no PT a resistência cresceu, ainda que a mensagem de Dilma com as sugestões de perguntas do plebiscito emulasse o que Luiz Inácio Lula da Silva sempre quis em termos de reforma política.
 
Enquanto isso, na sua versão de resposta às ruas, o Congresso passou a aprovar com fúria legislativa quase tudo o que lhe dava na cabeça. Esse descontrole é perigosíssimo para o governo, seja por populismos que destruam ainda mais as portas dos cofres públicos, seja por ideias que não lhe interessam que apareçam, como discutir o fim da reeleição.
 
Atuando agora como bombeiros do incêndio iniciado pelo Planalto, Temer e o ministro José Eduardo Cardozo (Justiça) trataram de encenar hoje o funeral do plebiscito com alguma dignidade.
 
Ao analisar o tombo que os protestos deram na popularidade de Dilma, marqueteiro João Santana apontava a aprovação ao plebiscito (68%, segundo o Datafolha) como uma "porta de saída" para a crise.
 
Agora, com o plebiscito adiado para o ano que vem ou para as calendas gregas, uma vez que parece inevitável que alguma reforma política ocorra nos ritos regulares do Congresso, cabe perguntar qual "porta" resta ao Planalto. Especialmente se as ruas, que acalmaram após o fim da Copa das Confederações, resolverem se mexer de novo.

04 de julho de 2013
IGOR GIELOW - Folha de São Paulo

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