O Brasil conseguiu realizar sofisticada “modernidade-técnica”, mas não fez sua “modernidade-ética”. Produzimos milhões de automóveis e temos um péssimo sistema de transporte público, inventamos e usamos urnas eletrônicas, mas não eliminamos a corrupção, nem no comportamento dos políticos nem nas prioridades das políticas; nem incorporamos a participação dos eleitores em tempo real no processo político.
O descontentamento com a construção da “modernidade-técnica” sem fazer a “modernidade-ética” é a principal causa das manifestações que tomaram as ruas, já apontado no livro “A revolução nas prioridades: da modernidade-técnica à modernidade-ética”, de 1992, Ed. Paz e Terra.
O futuro imediato é preocupante se não percebermos os riscos e não formos capazes de promover uma inflexão histórica para construir um país com métodos políticos diferentes, capazes de realizar prioridades diferentes.
Por enquanto, as manifestações são dos “desiludidos”, aqueles que perderam a esperança no fim da corrupção, na possibilidade de elevar ilimitadamente seu padrão de consumo e de ter um diploma universitário que assegure emprego com renda alta. Não devem demorar a ocorrer manifestações dos “desesperados”, aqueles que nunca tiveram esperança de terem boa educação, emprego com alta renda, consumo elevado.
Quando esses dois grupos se encontrarem, mesmo que em momentos e locais separados, “desiludidos” e “desesperados” carregarão a mesma raiva contra o sistema utilizado ao longo de décadas. Isto se agravará com a crise econômica que não consegue mais ser adiada, nem escondida.
Este quadro fica ainda mais arriscado quando percebemos que a luta não precisa de partido, nem de líder, nem de bandeiras ideológicas.
Basta descontentamento para que um jovem conectado à internet possa reunir dezenas ou centenas de pessoas capazes de fechar uma estrada, arrombar portas de lojas, invadir condomínios. O resultado é impossível de ser controlado, mesmo se a polícia monitorasse todas as trocas de e-mails na cidade.
Aos fatores anteriores se une o risco da falta de entendimento da gravidade do momento, fazendo com que os dirigentes, no Executivo e Legislativo, estejam optando por enfrentar o esgotamento do modelo usando gestos teatrais de marketing político.
O momento exige mais do que reforma, mais até do que revolução. Exige a invenção de uma nova forma de fazer política — que ainda não sabemos como será —, com novos objetivos para um tipo alternativo de economia e sociedade que apenas conseguimos especular.
Infelizmente, estamos viciados nos velhos propósitos da sociedade de consumo e nos velhos métodos da política. Assim fica difícil reorientar o projeto civilizatório do país, em direção a uma “modernidade-ética”, sem corrupção no comportamento dos políticos nem nas prioridades da política. Só uma invenção desse tipo de projeto será capaz de acabar com o desespero, o descontentamento e pacificar a “guerrilha cibernética” já em marcha.
13 de julho de 2013
Cristovam Buarque é senador (PDT-DF).
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