Ao adotar descabida iniciativa sobre matéria de exclusiva competência do Legislativo (Art. 49, inciso XV, da Constituição Federal), violou-a por arrogar-se atribuição que não lhe concerne.
Já não há mais conselheiros e juristas de escol que, no passado, prestando valioso aconselhamento ao chefe do Estado brasileiro, lhe diriam: “Chassez le naturel, il revient en galop”.
O que seria o natural e, portanto, mais simples de ser entendido pelo próprio eleitor? Está na Constituição e na tradição parlamentar: negociações oficiosas com as lideranças na Câmara e no Senado, elaboração e envio da proposta de emenda constitucional, se necessária, de legislação complementar ou ordinária cabíveis e o encaminhamento do pedido formal de autorização do referendo, com a devida exposição de motivos.
Submetido e acolhido este pelo corpo eleitoral, as reformas seriam promulgadas.
O referendo é instrumento mais adequado do que o plebiscito porque originário de duas fontes de poder: o Parlamento e o povo (Maurice Duverger). É de lembrar que ditadores, tiranos populistas, chefes de governos totalitários usaram e abusaram do plebiscito para massacrar a liberdade.
FASCISMO
O fascismo se implantou na Itália por seus favores; para consumar uma das piores tragédias da humanidade, Hitler convocou-o, em busca de legitimação, para fundir os cargos de presidente da Alemanha e chanceler do Reich, mal tinha sido enterrado o presidente Paul von Hindenburg, falecido em agosto de 1934.
O velho e combalido marechal, apesar de detestar Hitler, restou lembrado por nomeá-lo chanceler da Alemanha, em janeiro de 1933. Naquele mesmo ano, cedendo a pressões nazistas, assinou Hindenburg a Lei de Concessão de Plenos Poderes, que outorgou irrestritos poderes legislativos à administração do líder austríaco.
Morto o marechal, Hitler declarou vago o cargo de presidente e, como “Fuhrer und Reichskanzler”, implantou no país, até o suicídio, a barbárie. O plebiscito serviu-lhe de arma de grande valia para violentar o povo.
A reforma política, aparentemente desejada pela sra. presidente em termos democráticos, bem poderia aproveitar a oportunidade, acrescentando ao direito brasileiro o instituto do recall e o princípio da “accountability” para melhor estaquear o edifício constitucional.
O recall, muito usado nos Estados Unidos, notadamente nas esferas de poder de menor alcance, foi usado, pela primeira vez, no princípio do século passado, na Califórnia, e se revelou utilíssimo à prática democrática.
A existência dessas três estacas no edifício constitucional do Brasil induziria notável avanço institucional no nosso sistema jurídico-político e ético, que reclama controles eficazes do aparelho público.
Entretanto, sou cético. Nada funciona quando não há verdadeira vontade política. É a nossa sina, vinda de longe, no tempo, diria Proust.
(transcrito do jornal O Tempo)
13 de julho de 2013
Márcio Garcia Vilela
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