O governo dos Estados Unidos está disposto a fazer, nos próximos meses, uma revisão de seu sistema de monitoramento de informações no exterior.
O gesto é um reconhecimento da dificuldade criada por seu país aos países da Europa e da América Latina que foram alvos de espionagem da Agência de Segurança Nacional dos EUA (National Security Agency — NSA, na sigla em inglês).
O programa de acompanhamento de e-mails e ligações telefônicas foi denunciado pelo GLOBO, com base nas informações do ex-técnico da CIA Edward Snowden, que já havia denunciado o esquema a nível internacional.
O embaixador dos Estados Unidos no Brasil ,Thomas Shannon, informou às autoridades brasileiras que um grupo de especialistas americanos virá ao Brasil e a outros países, citando diretamente a Alemanha, para iniciar essas conversações.
Não houve a especificação sobre a missão americana, mas as autoridades brasileiras consideraram que uma reformulação desse sistema denunciado pelo ex-técnico da CIA Edward Snowden é necessária para que as relações bilaterais não sejam afetadas mais do que já foram no episódio.
Um ministro chegou a comentar que seria desnecessário enviar especialistas para explicar às autoridades brasileiras como funciona o sistema de espionagem dos Estados Unidos, “pois isso a gente já sabe”. O governo americano estaria inclinado a um gesto desse tipo para dar aos países aliados razões para continuar agindo de maneira a não aumentar a crise internacional.
A situação do Brasil, por exemplo, seria delicada devido ao Mercosul, que reúne países da região hostis, na sua maioria, aos Estados Unidos, e a reação negativa, como era esperado, ganhou tom acima do que vinha sendo utilizado pelo próprio governo brasileiro.
Foi anotada pela diplomacia dos EUA a não adesão do governo brasileiro a sugestões drásticas feitas no calor da descoberta do esquema de espionagem, como dar asilo a Snowden ou cancelar a viagem de Estado que a presidente Dilma fará aos Estados Unidos brevemente.
O exemplo contrário é o do governo de Nicolás Maduro na Venezuela, que vinha negociando nos bastidores uma reaproximação com os Estados Unidos, mas não resistiu a oferecer asilo a Snowden quando a oportunidade surgiu.
O governo americano está ciente de que será necessário dar um tratamento especial ao Brasil nesses gestos de boa vontade justamente para permitir que o governo brasileiro tenha condições políticas de manter uma posição equilibrada na questão.
O caso do presidente da Bolívia, Evo Morales, que, em 2 de julho, na volta de uma viagem oficial à Rússia, teve os espaços aéreos de França, Espanha, Portugal e Itália fechados a seu avião oficial devido à suspeita de que Snowden estivesse a bordo, é emblemático de como essas situações delicadas das relações internacionais têm diversas facetas.
O fato de os governos europeus terem colaborado no cerco ao avião de Morales é ao mesmo tempo uma demonstração de que eles continuam apoiando os EUA, mesmo depois das denúncias de espionagem, mas também é combustível para aprofundar as divergências dos países da América Latina com a política externa americana.
Os presidentes do Mercosul assinaram ontem documento em que deixam claro “o repúdio à espionagem por parte dos Estados Unidos nos países da região”. Também haverá ação conjunta contra os países europeus exigindo desculpas formais pelo constrangimento a que teriam submetido Evo Morales.
É previsível que, depois da revelação desse esquema de monitoramento de dados, a questão da segurança cibernética ganhe relevo na região e em especial no Brasil, que tem informações importantes a proteger, desde o enriquecimento de urânio até a exploração do pré-sal.
O ministro da Defesa, Celso Amorim, admitiu no Senado que o Brasil é vulnerável à ação de outros países e mesmo de hackers, e pretende aproveitar o episódio para transformar o tema da segurança cibernética em prioridade em sua área.
O fato é que o governo brasileiro soube enfrentar as denúncias com uma atitude firme, mas sem transformá-las em uma crise institucional que impedisse a continuidade das relações com os EUA em bom nível, como hoje. O passo seguinte está com os Estados Unidos.
13 de julho de 2013
Merval Pereira, O Globo
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