O ser humano, quando vira autoridade em Brasília, experimenta uma mutação anatômica. Dividindo-se seu corpo em três, verifica-se que é composto de cabeça, tronco e asas. É como se trouxesse um jato da FAB grudado ao dorso desde a palmada inaugural, na maternidade. Nos últimos seis meses, uma média de nove autoridades decolaram diariamente em aviões da Força Aérea Brasileira.
Após manusear dados oficiais, o repórter Fábio Fabrini informa: no primeiro semestre de 2013, a FAB recebeu requisições de voo de 42 órgãos públicos. Resultaram em 1.664 decolagens. Comparando-se com os primeiros seis meses do governo Dilma Rousseff, houve um aumento de 39% na quantidade de viagens. Naquele ano, houve 1.201 voos de autoridades. Em 2012, 1.471.
De acordo com o decreto presidencial 4.244, de 2002, podem utilizar os jatos da FAB: o vice-presidente da República, os presidentes da Câmara, do Senado e do STF, os ministros e os comandantes militares. Não é só: “O ministro de Estado da Defesa poderá autorizar o transporte aéreo de outras autoridades, nacionais e estrangeiras”, anota o decreto, sem maiores especificações.
De janeiro a junho, quem mais tirou os jatos da FAB do hangar foi o ministro Alexandre Parilha (Saúde). Ele voou 110 vezes. Seu destino mais corriqueiro foi São Paulo, onde tem casa. Potencial candidato do PT ao governo paulista, Padilha atribui a incontinência aérea à necessidade de firmar convênios do SUS em todo país.
Depois de Padilha, os passageiros mais frequentes da FAB foram, pela ordem, os ministros Fernando Pimentel (Desenvolvimento), 101 voos; José Eduardo Cardozo (Justiça), 91 decolagens; e Aldo Rebelo (Esporte), 81 viagens. Todos alegam que cumpriram o que está previsto no decreto regulamentador.
No pedaço que traz as situações em que as autoridades podem requisitar jatos à FAB, o decreto anota: 1) por motivo de segurança e emergência médica, 2) em viagens a serviço, e 3) deslocamentos para o local de residência permanente. Não são raros os casos em que os beneficiários do privilégio “casam” agendas oficiais com compromissos privados ou partidários.
De resto, os últimos acontecimentos mostraram que o decreto que rege o uso dos jatos oficiais recebe das autoridades uma interpretação elástica. O senador Renan Calheiros, por exemplo, acha que tem o direito de acionar a FAB para levá-lo de Maceió para uma festa de casamento em Trancoso (BA), em pleno sábado.
Muito a contragosto, Renan devolveu R$ 32 mil à Viúva. Na nota em que informou sobre o desembolso, tachou de “diversionismo” o noticiário sobre seu descomedimento aéreo. Logo, logo haverá mais informações sobre o vaivém das aeronaves bancadas pelo contribuinte, financiador involuntário do privilégio imoderado.
Os dados virão à luz graças a um requerimento de informações do senador Aloysio Nunes Ferreira (SP), líder do PSDB. A peça foi aprovada há dois dias pela Mesa Diretora do Senado. Seguiu para o ministro Celso Amorim (Defesa), que dispõem do prazo constitucional de 30 dias para fornecer as respostas. O pedido de Aloysio retroage a 2010, último ano da gestão Lula.
Pelo menos uma das informações requisitadas pelo senador –os nomes dos caronas— a FAB não vai fornecer. A Força Aérea alega que não tem o hábito de guardar os nomes dos acompanhantes das autoridades. Heimmm?!? Elaborada na decolagem, a lista de passageiros vai ao lixo na aterrissagem. Hã?!? “Após os pousos, não é feito o arquivamento”, diz a Aeronáutica. Curioso, muito curioso, curiosíssimo.
Antes mesmo de apalpar os dados que requisitou, Alysio Nunes roda a baiana: “Acho estranho uma força absolutamente profissional e tão bem organizada quanto a FAB não guardar registro sobre a ocupação das aeronaves que estão sob sua responsabilidade. Como é uma operação que envolve dinheiro público, deve haver o registro dela. Não é uma coisa que se escreve num papel de padaria e joga fora.”
Considerando-se os elementos já conhecidos, você está autorizado a perguntar de si para si: então é pra isso que eles matam e morrem pelos cargos? Não seria mais econômico se todos passassem a se deslocar em voos de carreira? Lula costuma dizer que a “elite” não o suporta porque foi no seu governo que pobre passou a viajar de avião. Por que privar as autoridades desse convívio? A julgar pelo que a nova classe média grita nas ruas, a fricção seria pedagógica.
13 de julho de 2013
Josias de Souza - UOL
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