A crise da presidente Dilma Rousseff expõe os limites da teoria do poste. Não foi o ex-presidente Lula quem inventou o poste. Se a memória não falha, já nos idos de 1974, nas eleições para o Senado que determinaram o início da decadência da ditadura, colou-se o apelido de “postes” aos eleitos nos embalos da súbita e surpreendente onde oportunista.
O que Lula fez foi exacerbar a teoria e reivindicar sua aplicação como mágica pessoal.
Nenhum poste gosta de ser chamado de poste, e a cortesia manda que os fazedores não os chamem pelo desprestigioso apelido. No entanto, na euforia da vitória do prefeito Fernando Haddad em São Paulo, o ex-presidente disse que “de poste em poste” o Brasil se iluminaria.
No caso da presente crise da presidente – porque a crise que começou nas ruas evoluiu, sim, para uma crise da presidente -, os efeitos perversos da eleição de um poste revelaram-se nas seguintes evidências:
1. O governo está sem rumo. Não é de hoje que a condução errática da economia, a demora em atacar os gargalos na infraestrutura, a nomeação e desnomeação de ministros e a dubiedade no combate à corrupção traem inexperiência que resulta em insegurança e indecisão. Nas duas últimas semanas, tais sintomas viraram febre com as sucessivas trapalhadas da Constituinte exclusiva e do plebiscito. A desconhecida Dilma foi-nos apresentada como “gerentona”. Hoje é a gerente que não gerencia uma equipe balofa e incoerente. A dureza na cobrança e a minudência no acompanhamento do trabalho dos auxiliares eram exaltadas como qualidade. Revelaram-se como defeitos. O reflexo condicionado é encobrir insuficiências pondo a culpa na “articulação política”. A “articulação” e sua irmã gêmea, a “comunicação, são dois gastos bodes expiatórios. Não há articulação nem comunicação que funcionem se a outra ponta não funciona. A outra ponta é o gabinete presidencial.
2. Desaba o respeito ao governo. As vaias são o de menos. Pior é o misto de cinismo e traição que rodeia a presidente. A chamada “base aliada” esfacelou-se. Ao vácuo de liderança sucede-se a balbúrdia no Congresso. Com a esperteza de sempre, deputados investem contra o chamado “foro privilegiado” como se fosse medida moralizadora, quando o mensalão provou que o suposto privilégio na verdade lhes rouba o recurso às diversas instâncias e às infinitas chicanas do processo ordinário. Pior para o governo é a ameaça de se votar o tal “orçamento impositivo”, instituindo o escândalo da liberação obrigatória das já de si escandalosas emendas parlamentares. O desrespeito à presidente propicia a abertura de caça ao erário.
3. O poste foi feito refém. Outros postes, na política brasileira, tiveram melhor sorte. A este não se permite se desligar do criador. Dilma já se entregou ao obrigatório ritual de encontrar-se com Lula duas vezes desde o início dos protestos. A relação ameaça assumir caráter patológico, se é que já não assumiu. O ex-presidente não sossega de impor-se como patrono, mestre, guia e protetor. A sucessora se rende à sorte de patrocinada, discípula, guiada e protegida. É quase uma versão da “síndrome de Estocolmo”, pela qual o seqüestrado acaba cativado pelo sequestrador. “Cativado” quer dizer enamorado, mas também prisioneiro. Tem-se uma presidente obrigada à reverência a uma instância superior. O resultado é a perda de reverência que deveria inspirar.
13 de julho de 2013
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