"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quarta-feira, 7 de agosto de 2013

CADELEAKS

Cardozo, o garboso, volta a fazer baixo proselitismo em São Paulo


A área mais deletéria do governo Dilma é justamente aquela que deveria concentrar, como posso dizer?, a moralidade mais densa e a seriedade mais serena: o Ministério da Justiça. José Eduardo Cardozo, que foi muito competente em criar a fama de político sério, tem demonstrado um especial pendor para a chicana quando há questões que envolvem o estado de São Paulo — não por acaso, governado por um partido de oposição. Não perde uma única chance de aderir à politização mais rasteira, embora faça questão de vir a público para dizer que faz justamente o contrário do que pratica a céu aberto. Não receia o cinismo.
 
Nesta terça, não foi diferente. Com característico ar pomposo, Cardozo, o garboso, saiu em defesa do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), um órgão, disse, “reconhecido internacionalmente”. Ele se referia à apuração de eventual formação de cartel em licitações de trens e metrô em São Paulo e no Distrito Federal. Segundo o ministro, o tema não pode ser politizado! Ah, bom!

Como se sabe, há uma investigação sendo feita pelo órgão, que é subordinado à pasta de Cardozo. O governo paulista, um dos principais interessados na apuração, não tem acesso aos dados. Não obstante, o Cade se tornou um peneira de vazamentos. É o “CadeLeaks”. Informações que deveriam ser sigilosas são passadas para setores da imprensa, de forma selecionada, de sorte, resta evidente, a incriminar todas as gestões de Mário Covas para cá — vale dizer: todas as gestões tucanas. Pressuposto: pessoas do governo — quais? — saberiam das supostas falcatruas.
 
Os bananas que patrulham a rede ficam vomitando impropérios: “Ah, quando é com tucano, então fica essa choradeira…”. Não tem choradeira nenhuma! O espantoso é o governo estadual, como ente, nem mesmo saber do que é acusado porque a apuração corre em sigilo — menos, claro!, para os que têm acesso aos “CadeLeaks”. A Justiça, como vocês viram, negou ao governo do estado o acesso ao processo.
 
À Folha, declarou o ministro:
 
“A investigação se realiza com a celeridade necessária, mas com o cuidado também necessário. (…) Se houver ilícitos, seguramente se pedirá a punição devida para aqueles que obviamente infringirem a nossa lei. (…) Portanto, acho que não há nada que se transformar essa investigação numa disputa política”. Entendo.
 
Que eu tenha lido, este patriota nem mesmo anunciou a criação de uma sindicância para saber em que circunstâncias uma apuração sigilosa foi parar em praça pública. Nada! Sim, senhores! Que eventuais culpados sejam punidos. Não sou petista. Não acho que certas pessoas estão acima das leis e da moralidade pública. O surrealista é haver um processo que vai sendo vazado aos pedaços para a imprensa, mas que está vetado ao principal ente interessado na apuração.
 
Já conhecemos…
 
A seriedade de Cardozo no trato com adversários políticos é conhecida. Como esquecer a sua espantosa atuação quando houve um recrudescimento da violência em São Paulo? Embora o estado permanecesse como uma das duas unidades da federação em que menos se matam pessoas, na boca do ministro, tinha-se a impressão de que o caos havia se instalado. Resposta a um ofício encaminhado pela Secretaria de Segurança Pública ao Ministério da Justiça foi passado antes à imprensa, só depois ao secretário.
 
Mais: Cardozo chegou a oferecer a segurança pública do Rio (pasmem!) como uma espécie de exemplo a ser seguido por São Paulo. Não é um homem que core com facilidade. De jeito nenhum! Em junho, durante as jornadas de protesto, quando os petistas achavam que a questão ficaria restrita às terras paulistas, o ministro ofereceu, por intermédio da imprensa “ajuda” a Geraldo Alckmin, sugerindo que a questão estava fora do controle, isso depois de ter concedido duas entrevistas, com um intervalo de três ou quatro dias, atacando o governo e segurança pública do estado. Pois bem: menos de uma semana depois, havia gente botando fogo no Itamaraty e pulando sobre o teto do Congresso com tochas na mão. Ninguém viu a cara do ministro da Justiça — havia se escafedido.
 
Quem quer que tenha armado o CadeLeaks está se refestelando no sucesso, não é mesmo? O governo de São Paulo, como ente da Federação interessado no caso — até para empreender sua própria investigação —, continua a ignorar a acusação. Quem não tem como saber do que é acusado está, por óbvio, impedido de se defender de forma adequada, certo? É uma questão óbvia.
 
Mas eis que surge Cardozo para reafirmar a seriedade do Cade. Sim, sim, seriíssimo! O ministro não está curioso para saber as circunstâncias do vazamento? Pelo visto, não. Ou teria anunciado uma sindicância. Mas quê… Para o PT, como de hábito, a coisa vai bem como está: o partido pode apresentar as sucessivas gestões tucanas como suspeitas. Mas suspeitas de quê?
 
Acordo de leniência
 
Finalmente, uma pequena observação sobre delações premiadas e acordos de leniência… Para empresas que são corruptoras, esse é o mesmo o melhor dos mundos. Podem mandar para a fogueira eventuais parceiros de lambança e continuar aptas a fazer negócios com os governos…
 
Não parece razoável que assim seja. Quando menos, parece-me que mesmo as empresas que fazem um “acordo de leniência” devem passar a integrar um cadastro negativo. Afinal, qual é a garantia de que elas não voltem a delinquir?
 
Por Reinaldo Azevedo
07 de agosto de 2013

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