A ideia de considerar qualquer dissidente de partido comunista como "doente mental" não é nova. Na antiga URSS, clínicas psiquiátricas eram destino frequente para aqueles que caíam na desgraça dos expurgos. "Lágrimas na Chuva" , de Sérgio Faraco, é um relato comovente de uma experiência pessoal com esse tipo de coisa e, em grau menor, o recurso aos "diagnósticos" psiquiátricos continua aqui no Brasil do PT.
Com frequência, a corja que coordena os serviços de saúde no Brasil recorre aos conceitos de "paranoia", "depressão" e comportamento "antissocial" para assediar moralmente funcionários públicos que quer ver afastados do serviço.
Foge ao objetivo do texto traçar rigorosamente uma origem comum entre o nascimento da psicanálise e a radicalização das ideias marxistas.
Marx elaborou sua doutrina muito antes de Freud, mas é em Nietzsche que devemos procurar o ponto de junção. O que une os três pensadores é uma crítica profunda à moral vigente - para Marx, a moral era uma consequência das relações de classe, para Freud - causa e consequência, ao mesmo tempo, dos processos repressivos e para Nietzsche um gigantesco obstáculo a ser removido na conquista de uma "razão livre". Nenhum dos três acreditava em Deus e para todos eles o materialismo era a base filosófica de suas doutrinas.
A ideia de considerar uma pessoa que discorda de uma ditadura socialista como doente mental tem uma lógica profundamente perversa. Quer fazer crer, de certa maneira, no caráter piedoso daqueles que pensam em oferecer uma chance de "adaptação" aos oposicionistas. Quem está mentalmente doente é internado para recuperar-se e, em certo sentido, "reeducar-se".
Deve aprender a "olhar com novos olhos" para realidade a sua volta..Deve despir-se de conceitos antigos e, lembrando 1984, acostumar-se a uma nova língua. Antes de continuar, uma lembrança precisa ser feita - não foi privilégio dos regimes de esquerda a utilização de psiquiatras como colaboradores nesse tipo de coisa. Sabemos que o regime militar contou com esse tipo de gente em seus porões e ninguém desconhece as atividades da CIA nessa área mas há uma profunda, e gigantesca, diferença a ser feita. Mais de uma vez escrevi que o marxismo é uma "cosmovisão".
Com isso, eu queria dizer que trata-se de uma maneira complexa e generalizada de entendimento da realidade. Fundamenta-se na ideia da história como luta de classes e encontra, na teoria de Freud, poderoso aliado à medida que essa última fala a respeito da mesma história como uma narrativa da "repressão".
Não há, pois, como comparar essa espécie de simbiose que pode ocorrer entre as duas doutrinas com as práticas de torturadores americanos na América Central ou com os militares brasileiros que precisavam de colegas psiquiatras para saber até "que ponto um preso poderia ir".
Para Marx, quando se recorre a Deus para explicar a realidade justifica-se a exploração das classes; para Freud, alivia-se o medo da morte. Entenda-se daí a oportunidade única de, ao internar-se ou considerar-se doente um dissidente dos regimes comunistas, construir uma nova pedagogia - uma "pedagogia da libertação" dos valores tradicionais.
Um fato novo (e até onde eu saiba relativamente recente na esquerda) nessa história toda é o papel da psicologia brasileira como substituta da psiquiatria. A grande maioria dos serviços de saúde do trabalhador conta hoje no país com profissionais dessa área para avaliar funcionários "sob estresse".
De certa forma, tornou-se algo mais difícil cooptar psiquiatras para esse serviço sujo e o PT parece ter encontrado nas psicólogas rica fonte de profissionais dispostas a fazerem seu papel. Nesse processo fica evidente a possibilidade de assediar moralmente um funcionário enquanto "vende-se externa e administrativamente" a ideia de que se está tentando "ajudá-lo" a readaptar-se.
Toda teoria recente das relações de trabalho, todo discurso de gestão de recursos humanos hoje no Brasil é fortemente "aparelhada" por essas pessoas. A base do seu pensamento constitui-se na anulação da ideia de mérito... Na perda da noção do indivíduo e numa lógica fanaticamente voltada para ideia de equipe. Não há, nesse discurso, espaço algum para os conceitos de hierarquia ou disciplina a não ser aqueles centralizados pela própria gestão político-partidária que gerencia os "recursos humanos'.
Nesse meio, nós médicos, vivemos um conflito profundo: precisamos lidar com colegas de trabalho que reivindicam diariamente os mesmos direitos que nós na prática da assistência, mas que não tem os mesmos deveres - coisa que do ponto de vista da jurídico não existe - e que submete todos os pacientes a enorme risco.
Não vejo, a curto prazo, solução alguma para isso que descrevi aqui. É a própria saída o PT do poder que pode minorar (mas ao meu ver não vai reverter) esse tipo de coisa no Brasil. Enquanto isso acho que esse tipo de assédio moral, cuja produção de prova é extremamente difícil do ponto de vista jurídico, deve continuar...
Até que as coisas mudem não há outra alternativa a não ser continuar chorando sem que ninguém perceba.. Vão ser apenas mais lágrimas na chuva..
Para o pai...
07 de agosto de 2013
Milton Simon Pires é Médico - CREMERS 20958.
Milton Simon Pires é Médico - CREMERS 20958.
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