"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quarta-feira, 7 de agosto de 2013

"NÃO VALE O ESCRITO"

 
Substantivo que define o "estudo de juízos de apreciação referentes à conduta humana suscetível de qualificação do ponto de vista do bem e do mal", a palavra "ética" perdeu a força de seu conceito e ganhou lugar no rol das banalidades.
 
 
Muito falada e pouco praticada, em alguns ambientes virou sinônimo de farisaísmo. Neles, sua defesa é vista como mero exercício de hipocrisia. Coisa de gente moralista no sentido pejorativo do termo e o abrigo ideal para amorais enrustidos. De onde não valeria a pena perder tempo com o assunto.
 
Por esse raciocínio, está coberto de razão o senador Edison Lobão Filho - suplente do pai, ministro das Minas e Energia - quando diz que a inclusão do compromisso com a ética no juramento de posse dos senadores poderia "dar margem a interpretações perigosas".
 
Relator da proposta de reforma do regimento do Senado em vigor desde 1970, Lobão Filho retirou três itens do projeto original: a exigência de apresentação da relação de bens de parentes até segundo grau dos senadores (para evitar transferência dolosa), a inclusão de atos cometidos fora das dependências do Legislativo para efeito de punição por quebra de decoro e o compromisso explícito com a ética no cumprimento do mandato.
 
Além de "interpretações perigosas", o senador teme que a tão desgastada palavra crie "conflitos" no Senado, pois o que é ético para uns é antiético para outros. Deve perder a parada. De olho na "agenda positiva", seus pares provavelmente discordarão e a ética deve acabar entrando no texto do regimento. Custa baratinho, já que não vale o escrito.
 
Sem retoque. Acusar o governo federal de "politizar" as denúncias de que houve formação de cartel para licitação de obras de trens e metrô em São Paulo, com suspeitas também de corrupção nos governos de Mário Covas, José Serra e Geraldo Alckmin, não vai ajudar em nada o PSDB.
 
Ao contrário: leva o público a concluir que os tucanos jogam a conta do problema na conspiração para não enfrentar o fato de que pode ter havido crimes de improbidade e enriquecimento ilícito sob a responsabilidade de suas administrações.
 
Quem te viu. O processo de divórcio litigioso entre o governador Sérgio Cabral e a população do Rio é um "case" cujo epílogo ainda está por ser escrito. Em Estado de peso político significativo não há registro de nada semelhante: reeleito com 70% dos votos em 2010, Cabral ficou reduzido a 12% de aprovação no pouco mais de um ano que lhe resta de mandato.
 
Ele mesmo deu a pista sobre as razões do desgaste ao prometer, em sua autocrítica compulsória, "voltar a ser eu mesmo". Admitiu ter se deixado embevecer pelas delícias do poder. Fantasiou ao ponto de tentar se "colocar" como candidato a vice de Dilma Rousseff em 2014 passando por cima da hierarquia do PMDB, partido que no âmbito nacional não o considera verdadeiramente um dos seus.
 
Arrependido, tenta se reinventar. A questão não é se ele aprendeu a lição, mas se a população acreditará que esteve fora de seu estado natural ou se o sucesso fez aflorar sua verdadeira natureza.
 
Ainda assim, não obstante as evidências em contrário hoje, não é impossível que o eleitorado venha a escolher seu vice como sucessor. Não por força de seu apoio, mas por insuficiência de alternativas e méritos de Luiz Fernando Pezão, a antítese do titular: desprovido de afetação, imune ao deslumbramento e sempre presente em situações adversas para o governo.
 
Essa é a matéria-prima de que dispõe Pezão para trabalhar na aquisição de luz própria a fim de fugir da imagem do "poste" que Sérgio Cabral já não pode iluminar.

07 de agosto de 2013
Dora Kramer, O Estado de São Paulo

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