Material revela extensão dos contatos de Paulo Vieira com parlamentares
A intensa proximidade entre o ex-diretor da Agência Nacional de Águas (ANA) Paulo Vieira e o deputado federal Valdemar Costa Neto (PR-SP) levou o Supremo Tribunal Federal a abrir inquérito, semana passada, para investigar o parlamentar. Uma pilha de papéis apreendidos pela Polícia Federal no gabinete de Vieira na ANA, ainda inéditos, revela a extensão dos contatos do ex-diretor de Hidrologia no mundo da política e do lobby, bem além da parceria com Valdemar.
O GLOBO teve acesso aos papéis com o registro do controle das ligações feitas e recebidas pelas secretárias de Vieira na ANA em 2012. Estão na lista dez deputados federais, três senadores, ministros, dirigentes partidários e lobistas como a ex-chefe da Casa Civil Erenice Guerra.
Vieira, apontado como o chefe da quadrilha de venda de pareceres jurídicos da União, desbaratada na Operação Porto Seguro, transformou seu gabinete numa central de despachos para interesses particulares. Além dos corriqueiros contatos feitos com outros supostos integrantes da quadrilha, como a ex-chefe de gabinete da Presidência em São Paulo Rosemary Noronha, o então diretor de Hidrologia mantinha conversas com políticos pouco interessados nos assuntos da ANA.
Os papéis apreendidos pela PF foram anexados ao processo em curso na Justiça Federal em São Paulo. A Justiça pode pedir novas diligências ou encaminhar pedidos de investigação a instâncias superiores.
A irmã do senador Romero Jucá (PMDB-RR), Helga Jucá, aparece em 29 registros de ligações no gabinete de Vieira. O próprio senador manteve contato com o ex-diretor da ANA em pelo menos três ocasiões, como consta nas listas apreendidas pela PF.
Em uma das ligações de Helga, ela deixou o seguinte recado a Vieira, anotado por uma secretária: “A conta vai explodir hoje!” Em outra, avisou sobre o aniversário de Jucá. Ao GLOBO, Helga disse que o então diretor da ANA iria pô-la no cargo de assessora parlamentar da agência. A frase sobre a “conta”, segundo ela, diz respeito à falta de dinheiro em sua conta bancária por não ter conseguido o emprego até então
— Meu irmão, como líder de governo (até março de 2012) no Senado, ajudou na indicação dele, e ele queria me ajudar. Não só liguei, como fui lá umas dez vezes. Ele era meu amigo, propôs o emprego para agradar ao Romero e depois saiu. Não tenho nada contra esse rapaz — disse Helga.
O senador, por sua vez, afirmou ter conhecido Vieira na sabatina no Senado, necessária para a confirmação no cargo de diretor de agência. Segundo Jucá, eles podem ter conversado por telefone a respeito da sabatina de Rubens Vieira para a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). O irmão de Paulo Vieira também foi denunciado por participação no esquema.
— Minha irmã pode ter feito ligações do meu gabinete. Foi ela que o levou ao meu gabinete por ocasião da sabatina — afirmou o senador.
Registro inclui chamadas de Erenice, Mabel e Valdemar
Os interesses do deputado federal Maurício Trindade (PR-BA), que hoje ocupa o cargo de secretário de Promoção Social da prefeitura de Salvador, chegaram ao gabinete de Paulo Vieira de duas formas. Pelo menos duas ligações telefônicas foram registradas pelas secretárias do então diretor da ANA. Num dos registros, elas anotaram o “assunto” da conversa entre Trindade e Vieira: um encontro pela manhã com um ministro do Tribunal de Contas da União (TCU).
Além disso, a PF apreendeu no gabinete do diretor da ANA um envelope que deveria ser entregue “em mãos”, com um bilhete timbrado do gabinete do parlamentar. No papel, estavam registradas informações sobre dois processos abertos no STF.
O bilhete registrava o número de uma ação penal movida contra Trindade por suposto tráfico de influência, acusação iniciada no Tribunal de Justiça da Bahia. Outra anotação era o número de um inquérito em curso no STF com a suspeita de compra de votos pelo deputado. O GLOBO indagou Trindade sobre a remessa do envelope a Vieira.
— O Paulo Vieira era ligado ao PR, estive com ele uma vez na presidência do partido na Câmara. Não tenho conhecimento da remessa do envelope. Não houve pedido meu ou do gabinete. Os processos estão caminhando normalmente no STF — disse o deputado.As listas com as ligações incluem pelo menos sete registros de Erenice Guerra, demitida em 2010 do cargo de ministra da Casa Civil por suspeita de tráfico de influência e de envolvimento de parentes dela no escândalo. A reportagem ligou para o escritório de Erenice e deixou recado.
Ela não deu retorno.O diretor de Planejamento e Engenharia da Eletronorte, Adhemar Palocci, irmão do ex-ministro Antonio Palocci, fez três ligações para o gabinete de Vieira. Segundo a Eletronorte, os contatos ocorreram em razão de tentativas de prorrogação de um convênio com a ANA para geração de dados hidrometeorológicos.
Os registros das dezenas de ligações entre Vieira e o deputado Valdemar Costa Neto (PR-SP) dão mais evidências sobre os negócios tratados, com anotações sobre jantares, “processo na Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais“, assinatura de “ofícios e atas de reunião” e prestações de contas.
A assessoria de Valdemar diz que a relação era apenas de “natureza política”. Os outros parlamentares com maior quantidade de ligações a Vieira são os deputados Milton Monti (PR-SP), com 29 conversas anotadas; e Sandro Mabel (PMDB-GO), com oito; e o senador Magno Malta (PR-ES), com três ligações. Os deputados não deram retorno ao GLOBO. A assessoria de imprensa de Malta diz que o senador nunca atendeu Vieira.
11 de agosto de 2013
Vinicius Sassine - O Globo
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