"O Brasil não tem problema, apenas soluções adiadas."
O chiste de Luís da Câmara Cascudo pode ser lido - embora não deva - como expressando uma aconchegante e ilusória confiança no poder regenerador da passagem do tempo. Do tipo: a cada dia basta a sua pena.
Ou como na enganosa esperança de que "no fim tudo acaba bem, se não está bem é porque não acabou ainda". O que sempre depende de como se define (e redefine) o que é o fim - e o significado de acabar.
Bem-humoradas afirmações dessa natureza podem justificar tendências à procrastinação e à aceitação um tanto passiva de todo tipo de atrasos - e dos custos econômicos e sociais neles envolvidos -, por várias razões. Quero mencionar duas que considero relevantes para os decisivos meses à frente.
A primeira pode estar ligada à nossa obsessão pelo futuro: nossa fé no que virá como que nos exime daquilo que, de Sergio Buarque de Holanda a Roberto DaMatta, é tido como nossa relativa aversão aos miúdos labores do cotidiano. Gostamos de pensar grande: discussões específicas ou técnicas sobre como melhor gerir, na prática, a coisa pública em áreas definidas têm, entre nós, muito menos apelo do que retóricas conclamações por novos modelos de desenvolvimento, novos projetos nacionais, novas políticas industriais ou "novas matrizes macroeconômicas".
A segunda razão tem que ver com a forma como uma sociedade e seus governos identificam os principais problemas a enfrentar. As manifestações recentes indicam o que vem por aí em termos de novas demandas (inclusive da base aliada) e de novas tentativas de respostas de um governo totalmente focado em ganhar as eleições de 2014 (uma definição do "fim" e do "acabar bem").
Alguém dirá, e com razão: ora, os principais candidatos de oposição também estão com os olhos fixos no período até outubro de 2014 e adiante. É verdade, mas o que estará em foco nos próximos 15 meses são as respostas do "Poder Incumbente", ao qual cabe o dever de bem governar o País e responder a seus problemas, incluídos os identificados nos movimentos de rua, dos quais o lulopetismo acreditava, até junho, deter o monopólio.
A propósito, vale lembrar uma observação de Jared Diamond (em seu livro Collapse). "Mesmo quando uma sociedade foi capaz de antecipar, perceber e tentar resolver um problema, ela pode ainda fracassar em fazê-lo, por óbvias razões possíveis: o problema pode estar além das suas capacidades; a solução pode existir, mas ser proibitivamente custosa: os esforços podem ser do tipo muito pouco e muito tarde, e algumas soluções tentadas podem agravar o problema."
Como sabemos, um país pode não fracassar, mas desperdiçar muitas oportunidades. E isso pode ter efeitos consideráveis sobre seu futuro, levando a um relativo atraso econômico e social em relação a países que foram capazes de adotar medidas de políticas públicas nas áreas macro, micro, institucional, regulatória e de reformas, favoráveis ao crescimento com competitividade internacional.
O problema, talvez mais fundamental, é que em muitos países do mundo de hoje, desenvolvidos ou não, o Estado não pode mais (ou pode cada vez menos) além de investir em infraestrutura, sustentar o custo de seu endividamento e corresponder aos desejos por maiores gastos públicos para assegurar direitos existentes e expectativas de novos direitos por alcançar.
Educação, saúde, transporte, segurança e muitos outros serviços públicos que as pessoas (no mundo desenvolvido em particular) por mais de meio século se acostumaram a ter providos por seus governos estão ficando agora claramente fora do "espaço" de orçamentos públicos razoavelmente controlados ou, pelo menos, fora daquilo que as pessoas estariam propensas a aceitar como a tributação requerida para pagar por tais serviços.
Essa discussão é particularmente relevante no Brasil de hoje. As razões principais vão-se tornando cada vez mais conhecidas entre nós.
Para resumir ao extremo, no Brasil, tanto no que diz respeito ao gasto público quanto à tributação, temos três problemas: o nível de ambos é excessivo, a composição de ambos é distorcida e a eficiência de ambos é precária, como mostram de forma contundente analistas, pesquisas e manifestações.
E a combinação desses três problemas é altamente deletéria para os investimentos e o crescimento sustentado que todos almejamos.
Governos que se acostumaram a culpar governos passados e - quando conveniente - o resto do mundo por seus problemas ficam desorientados quando são alcançados pelas consequências de suas próprias ações e omissões ao longo de mais de dez anos.
Na verdade, do ponto de vista da economia, desde a "inflexão desenvolvimentista" de 2006, quando uma nova equipe econômica entrou em campo, com a convicção de que a demanda sempre cria sua própria oferta, assegurando o crescimento da produção doméstica.
Talvez tenham descoberto, após sete anos, que nem sempre é assim, que a expansão sustentada da oferta depende não só do gasto público e dos financiamentos concedidos por bancos oficiais, mas do grau de confiança de investidores privados no ambiente geral de negócios, na qualidade do contexto regulatório, na estabilidade das regras do jogo e no compromisso do governo com a responsabilidade fiscal e o controle de inflação.
E que, por vezes, excessos na política de estímulo à demanda (na suposição de que a oferta sempre responde) podem levar ao aumento de pressões inflacionárias e ao aumento das importações e dos déficits do balanço de pagamentos, devidos à nossa baixa taxa de poupança privada e à nossa poupança pública negativa.
Tentar desarmar o que André Lara Resende chamou de "a armadilha brasileira" será tarefa da próxima administração - qualquer que seja o resultado das urnas.
11 de agosto de 2013
Pedro Malan, O Estado de São Paulo
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