O grande Seixas Dória
No dia 4 de julho de 1966, o “Diário Oficial” publicou mais um listão de cassações de mandatos e direitos políticos, assinado pelo ditador-presidente, Humberto de Alencar Castelo Branco, nome demais para um homenzinho de menos. O Decreto dizia:
“O presidente da Republica, ouvido o Conselho de Segurança Nacional e usando das atribuições que lhe confere o artigo 15 do Ato Institucional nº 2, de 27 de outubro de 1965, resolve suspender os direitos políticos, pelo prazo de 10 anos, de José Augusto de Araújo (Amazonas), Francisco de Assis Lemos de Souza (Paraíba), João Seixas Dória, Antonio Fernandes, Viana de Assis e Cleto Sampaio Maia (Sergipe), Sebastião Augusto de Souza Nery, Afrânio Luiz Lyra, Aristeu Nogueira Campos e Ênio Mendes de Carvalho (Bahia), Afonso Celso Nogueira Monteiro (Estado do Rio), Mauro Borges Teixeira (Goiás), Luiz Rodrigues Corvo, Ary Demóstenes de Almeida, Arthur José Poerner e Geraldo Silvino de Oliveira (Guanabara). Brasília, 4 de julho de l968.
Assinado: Castelo Branco e Luiz Viana Filho”.
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EXERCITO
Era a terceira vez que me cassavam. A primeira, logo em abril, pela Assembléia Legislativa, que, cercada pelo Exercito, cassou a mim, ao Enio Mendes e ao Diógenes Alves. Perambulei pelos quartéis da Bahia, do campo de concentração do Barbalho ao paisagistico Forte de Monte Serrat.
Em 12 de dezembro o Tribunal de Justiça, por unanimidade, anulou a decisão da Assembléia e nos devolveu os mandatos, porque as cassações eram privativas do “presidente” da Republica. Era a primeira vez que um Tribunal do pais anulava um “ato revolucionario”.
O Exercito cercou de novo a Assembleia, deixou-a 48 horas sem sair e sem comer, e pela segunda vez ela nos cassou. Os militares decretaram novamente nossas prisões e fugi para São Paulo, como detalhadamente conto em meu livro “A Nuvem” (Editora Geração, já em 3ª edição).
Arraes, Seixas Doria,Mario Lima, estavam em Fernando de Noronha.
Para me cassarem, tiveram que me cassar pela terceira vez.
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JURACY E VIANA
Na manhã daquele 4 de julho de 66, Seixas Doria,voltado de Fernando de Noronha, encontrou no aeroporto Santos Dumont, no Rio, uma roda de ex-correligionarios dele na UDN e no Congresso: Juracy, Luís Viana, João Calmon. Todos vieram abraçá-lo. Luís Viana foi simpático:
- Seixas, você está sumido. Onde andava?
- Pensei que você soubesse, Luís.
Luís Viana entendeu a ironia, calou. Juracy foi cinico:
- Seixas, estou com saudade de você. Nunca mais tive noticias. Onde é que anda? Recomendações a dona Mary.
Seixas foi para casa. No caminho, o rádio do carro dava a notícia da cassação de seu mandato e direitos políticos (e de outros,os meus inclusive), assinada na vespera, à noite, no Palácio das Laranjeiras, por Castelo Branco e seus ministros, a começar pelos da Justiça e do Exterior.
O da Justiça era Luís Viana, até então chefe da Casa Civil, que assumira na véspera para encaminhar os últimos processos de cassação que o ex-ministro Mem de Sá se negara a assinar. E o do Exterior era Juracy que, quando ministro da Justiça, antes de Mem de Sá, preparara e apressara os processos de cassação. Os dois haviam assinado a cassação de Seixas, a a minha e tantos outros. Seixas chegou em casa, chamou a mulher:
- Mary, prepare-se, ponha um vestido novo, que hoje vamos jantar com vinho francês. Fui cassado. Agora, estou aliviado. Já estava me sentindo humilhado: todo mundo cassado e eu de fora.
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SERGIPE
Eleito Jânio, em 1960, José Aparecido começou a articular candidaturas a governador. Foi a Sergipe conversar com Leandro Maciel. Leandro o recebeu no palácio, onde o governador Luis Garcia ficou servindo uísque com água de coco. Aparecido queria a candidatura de Seixas Dória, líder da Frente Parlamentar Nacionalista, deputado de excepcional atuação na Câmara e a melhor figura da política sergipana:
- Doutor Leandro, o presidente Jânio vai precisar de governadores que apóiem sua plataforma de governo. Homens competentes e honrados, capazes de formar um grande quadro de eficientes administradores. Sergipe deve pensar numa formula alta para as eleições de governador que virão ai.
- Nada de formula alta. Quero uma formula baixa e digna.
Aparecido voltou ao hotel pensando na formula baixa e digna de Leandro. O jornalista Austregésilo Porto decifrou:
- Ora, Aparecido, o Leandro só quer é ele mesmo. Mas formula baixa e digna em Sergipe é o Seixas: é baixo e ninguém mais digno do que ele.
Baixo e digno, Seixas derrotou espetacularmente o alto Leandro.
Chego de férias, recebo tardiamente a noticia. Morreu em 31 de janeiro, em Aracaju, aos 95 anos, meu amigo o grande Seixas Doria, velado por milhares no mesmo palácio de onde os militares o arrancaram em 1964.
Sebastião Nery
19 de fevereiro de 2012
Um painel político do momento histórico em que vivem o país e o mundo. Pretende ser um observatório dos principais acontecimentos que dominam o cenário político nacional e internacional, e um canal de denúncias da corrupção e da violência, que afrontam a cidadania. Este não é um blog partidário, visto que partidos não representam idéias, mas interesses de grupos, e servem apenas para encobrir o oportunismo político de bandidos. Não obstante, seguimos o caminho da direita. Semitam rectam.
"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)
"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
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