"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



domingo, 19 de fevereiro de 2012

SE FOR PARA CONSULTA PÚBLICA, SERÁ O FIM DAS VIAGENS DE MAGISTRADOS

O Conselho Nacional de Justiça – revelou O Globo na primeira página da edição de quarta-feira 15 – rejeitou a proposta da ministra Eliana Calmon de baixar resolução restringindo os patrocínios (particulares) para viagens, simpósios internacionais e conferências de magistrados, mas decidiu colocar a matéria em consulta pública.

Como será feita tal consulta? Se aberta a toda sociedade, como deseja a Corregedora, o resultado final será o mesmo. Por arrasadora maioria de votos a opinião pública condenará – como já condena hoje – privilégios em demasia e sem explicação lógica. Os exemplos são muitos. Não se restringem a juízes, desembargadores e ministros. E uma prática de envolvimento que através do tempo generalizou-se.

Eu me lembro, por exemplo, que a Confederação Brasileira de Futebol, com muitos casos na Justiça, como se noticiou na época, com destaque, convidou diversos magistrados para acompanharem a Seleção de Ouro na Copa de 2002, no Japão e na Coreia do Sul, quando nos tornamos pentacampeões do mundo.

Por quê? Qual a razão do convite especial, ou seja, com as despesas pagas? Não há motivo. Há uns vinte e cinco anos, eu era diretor da antiga LBA, administração Marcos Vilaça. Empresas fornecedoras de alimentos convidaram duas diretoras – uma delas Solange Amaral, que depois foi eleita deputada – a visitar a Alemanha. Justificativa: ver as indústrias de alimentos e verificarem técnicas de programas de alimentação popular naquele país. Não adiantou nada. Perderam tempo.

Há mais de 50 anos, no seu brilhante governo, o presidente Juscelino enfrentava restrições por parte da Marinha. Comprou o porta aviões Minas Gerais, o segundo MG - no primeiro, a bordo do qual ocorrera uma crise em 1941, já estava aposentado. Mas o Minas 2 necessitava de reparos. Foi transportado para o Estaleiro da Verolme, Holanda. Ficou lá mais ou menos três anos. Durante esse tempo, comitivas de oficiais, inclusive almirantes, eram enviadas para acompanhar os trabalhos. No final do governo, o porta aviões finalmente entrou em águas brasileiras.

Mas eu falei no cenário do Minas Gerais 1, em 1941. Numa solenidade de 11 de junho, a bordo dele, atracado no Rio de Janeiro, Getúlio Vargas fez discurso considerado de simpatia ao nazismo. Em certo trecho disse: no instante em que o mundo assiste grandes conquistas, frase fatal. As conquistas eram as invasões de Hitler. Com toda a ditadura, metade da oficialidade desceu o convés, retirando-se. Era a crise militar.

A repercussão negativa nacional e internacional (Roosevelt e Churchill) foi intensa. Quinze dias depois, Vargas foi inaugurar as novas instalações do Instituto Lafayette, Rua Hadock Lobo, hoje Bradesco. Utilizou a ocasião para dar um novo posicionamento à política externa, acalmando os ânimos. Agora era no sentido do new deal rooseveltiano e no liberalismo de William Churchill. Portanto, declaradamente anti-hitlerista. Levado por meu avô, Pedro do Coutto, o velho, assisti à solenidade.

Mas voltando à questão do envolvimento por tabela, do tráfico de influência, da sedução administrativa, vale lembrar que a Light contratava filhos de magistrados, que fossem advogados, para seu quadro de procuradores. A manobra era conhecida e tinha caído até no anedotário da cidade.

Vale acentuar também que o professor que citei há pouco, o historiador Pedro do Coutto, foi diretor geral do Colégio Pedro II, durante oito anos, na época em que os exames de acesso às universidades eram feitos lá. Nunca aceitou presentes ou convites por parte de pessoas com as quais não possuia intimidade. Devolvia tanto os presentes quanto os convites. Foi um exemplo na névoa do passado. E preservou sua independência.

As coisas mudaram. Radicalmente. Mas os titulares de funções públicas que desejarem se manter livres não podem aceitar passagens, convites ou patrocínios. Podem levar vantagem. Mas não fica bem na fotografia.

19 de fevereiro de 2012
Pedro do Coutto

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