Frases curtas e densas passam para a história. Seus autores nem sempre. Neste caso do naufrágio na Itália, o autor tem um nada a declarar sereno, como um técnico cumpridor de sua missão – preservar vidas. “Fiz o que me cabia fazer…”
Na medicina tivemos alguns Titanics. Algumas vezes naufragamos após colidir em icebergs. Há a ilusão de termos atingido a perfeição e que coisas ruins jamais se repetirão. No Titanic, entre outros fatos, os botes e os coletes foram em número insuficiente. Por isso morreram mais passageiros embarcados nas classes inferiores e tripulantes. Foram trancafiados criminosamente. No sistema de saúde ainda existem cadeados.
Quando um moderno navio, Costa Concórdia, com mais de 4 mil pessoas naufraga e salvam-se mais de 95% das pessoas a bordo, poderíamos supor que foi feito o melhor. Ledo engano.
Este desastre poderia ser evitado e a evacuação foi inadequada. Não estamos em 1912. O navio tinha tudo de mais moderno. As pedras não saíram do fundo do mar para furar seu casco. Sonares e comunicação não faltavam. Havia botes e coletes para todos. Treinamentos são realizados para lidar com imprevistos. Não faltam normas.
As embarcações se modernizaram, pois houve demanda e tecnologia. Vikings e Fenícios viraram história. Navegar, além de ser preciso, virou um lucrativo negócio. O mesmo ocorreu na medicina.
Profissionais de saúde, como marinheiros, perderam o espírito de desbravadores. Na saúde o sacerdócio transformou-se na necessidade por múltiplos empregos. A maioria ainda acredita na forma antiga – vocação. Os vestibulares confirmam. Mas não temos como sustentar nossas famílias sem receber pelo nosso trabalho.
Ainda somos privilegiados se olharmos os professores de nossos filhos e outras categorias profissionais que fazem o espetáculo continuar. Como eles, também não temos acesso à bilheteria. Parecemos marionetes. Estamos numa estrada como Alices e seus imortais parceiros.
A medicina de hoje possui modernos “transatlânticos”. Dispomos de equipamentos de dar inveja ao nosso ancestral grego. Não somos mais os vikings do passado, polivalentes – em todos os sentidos. Somos uma equipe composta de médicos, com diversas especializações, dividindo o cuidar do paciente com enfermeiros, nutricionistas, fisioterapeutas, técnicos diversos e um número enorme de profissionais. Mas, mesmo assim, ocorrem naufrágios.
Hoje salvamos muito mais vidas do que no passado, mas poderíamos evitar alguns acidentes e salvar nossos náufragos em maior quantidade.
O Costa Concórdia já tem um culpado confesso. Tem pelo menos um herói que recusou o título. Alguns países inventam heróis para comercializá-los. Alguns “bons moços ou moças”, após tragédias, pegam carona no populismo e vão à busca de ganhos pessoais ou políticos.
Mas este naufrágio tem outras causas para ter ocorrido, pois não existe acidente sem precedente. As evidências começam a surgir. Em medicina ocorre o mesmo. Morte na porta de hospitais, troca de medicamentos, cirurgias no local errado decorrem de ações de pessoas, porém o sistema de saúde não tem uma cultura de segurança adequada.
Erraram e continuaram errando, sem dolo. Na maioria destes casos, existem outros fatores (sistêmicos) que uma caixa-preta ajudaria a desvendar. Enxergar os outros sistemas ajuda entender o que acontece em nosso convés – da medicina.
Como na navegação, a maioria dos profissionais de saúde não abandona o barco. Fiquemos juntos e mudaremos o sistema. Cidadãos de branco, no mar e na saúde, não devem abandonar suas raízes vikings e gregas.
Alfredo Guarischi
19 de fevereiro de 2012
Um painel político do momento histórico em que vivem o país e o mundo. Pretende ser um observatório dos principais acontecimentos que dominam o cenário político nacional e internacional, e um canal de denúncias da corrupção e da violência, que afrontam a cidadania. Este não é um blog partidário, visto que partidos não representam idéias, mas interesses de grupos, e servem apenas para encobrir o oportunismo político de bandidos. Não obstante, seguimos o caminho da direita. Semitam rectam.
"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)
"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)
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