Segue ganhando repercussão a polêmica votação do Superior Tribunal de
Justiça, que na semana passada absolveu um homem acusado de haver estuprado, em
2002, três meninas que na ocasião tinham 12 anos de idade.
Os jornais publicam na sexta-feira (6/4) uma manifestação do Escritório Regional para a América do Sul do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos. Segundo a declaração oficial do representante da instituição, “é impensável que a vida sexual de uma criança possa ser usada para revogar seus direitos”. De acordo com sua interpretação, a decisão do STJ abre precedente perigoso e discrimina as vítimas com base na idade e gênero.
A votação dos desembargadores já havia sido deplorada por representantes da Unesco, o organismo da ONU para Educação, Ciência e Cultura, e vem sendo criticada também por autoridades brasileiras, entre as quais a ministra Maria do Rosário, da Secretaria Nacional de Direitos Humanos.
Na quarta-feira (4/4), o Ministério Público Federal ingressou com embargo de declaração na tentativa de alterar a decisão da corte.
Esforço global
O Superior Tribunal de Justiça considerou que, como o fato aconteceu antes da lei de 2009 que passou a considerar “estupro de vulnerável” ter relações sexuais com menores de 14 anos, mesmo não havendo violência o autor não poderia ser condenado, uma vez que as meninas já se prostituíam, ou seja, teriam supostamente condições de consentir em fazer sexo com ele.
Os críticos observam que a lei de 2009 apenas tornou mais explícita a norma que, em sua essência, considera a situação de vulnerabilidade de crianças e adolescentes. Essa circunstância é ainda mais clara no caso das meninas que são objeto desse julgamento.
Embora o processo corra em segredo de Justiça, sabe-se que elas viviam em condições de extrema pobreza e vulnerabilidade, circunstância que foi usada pelo acusado e que, segundo a interpretação de juristas ouvidos pelos jornais, reduz a possibilidade de discernimento. Além disso, acrescentam os críticos, as decisões judiciais sobre questões delicadas que envolvem pessoas vulneráveis devem levar em conta os aspectos sociais de cada caso.
As mudanças inseridas na legislação em 2009 tiveram como motivação a conveniência de eliminar dúvidas dos juízes exatamente na interpretação da palavra “violência”. Até então, os tribunais discutiam se seria preciso provar a ocorrência de constrangimento físico, ameaça ou fato semelhante para configurar a violência no ato sexual com menores de 14 anos.
Mas a lei anterior já considerava estupro mesmo a relação consensual, levando em conta a presunção de violência em função da desigualdade de recursos entre o perpetrador adulto e a vítima imatura.
Como lembra o representante da ONU, legislações desse tipo foram também criadas em função de tratados internacionais, no esforço global pela proteção de crianças e adolescentes por todo o mundo.
Discussões de botequim
Com todas essas evidências, chega a chocar a alegação do Superior Tribunal de Justiça, que se distancia do raciocínio que se espera dos magistrados e se aproxima do conjunto de preconceitos de gênero e do machismo típicos de discussões de botequim.
Ao perseguir o assunto e dar destaque à polêmica decisão judicial, a imprensa contribui para combater esse resquício de incivilidade que, ao que parece, ainda contamina até mesmo certas cortes de Justiça.
Além do aspecto jurídico, que se configura nessa interpretação controversa da lei, chama atenção o efeito pedagógico invertido, pelo qual os magistrados induzem a considerar aceitável o fato de um adulto procurar meninas de 12 anos para atos libidinosos, ainda que elas estejam na condição de prostituição.
Dirão os cínicos – e essa parece ter sido a interpretação dos juízes do STJ – que essa é a realidade social. O que a imprensa está dizendo é que essa é uma realidade social inaceitável, e não uma condição que deva servir impunemente à vontade e aos impulsos de um adulto.
O processo civilizatório tem esse pedágio: a necessidade de que os indivíduos considerem quanto custa ao outro a satisfação de seus desejos.
O Estado, por meio do Legislativo, procura estabelecer normas claras sobre o que é admissível nas relações interpessoais, mas cabe ao cidadão conhecer seus limites e à Justiça punir os excessos.
Os jornais publicam na sexta-feira (6/4) uma manifestação do Escritório Regional para a América do Sul do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos. Segundo a declaração oficial do representante da instituição, “é impensável que a vida sexual de uma criança possa ser usada para revogar seus direitos”. De acordo com sua interpretação, a decisão do STJ abre precedente perigoso e discrimina as vítimas com base na idade e gênero.
A votação dos desembargadores já havia sido deplorada por representantes da Unesco, o organismo da ONU para Educação, Ciência e Cultura, e vem sendo criticada também por autoridades brasileiras, entre as quais a ministra Maria do Rosário, da Secretaria Nacional de Direitos Humanos.
Na quarta-feira (4/4), o Ministério Público Federal ingressou com embargo de declaração na tentativa de alterar a decisão da corte.
Esforço global
O Superior Tribunal de Justiça considerou que, como o fato aconteceu antes da lei de 2009 que passou a considerar “estupro de vulnerável” ter relações sexuais com menores de 14 anos, mesmo não havendo violência o autor não poderia ser condenado, uma vez que as meninas já se prostituíam, ou seja, teriam supostamente condições de consentir em fazer sexo com ele.
Os críticos observam que a lei de 2009 apenas tornou mais explícita a norma que, em sua essência, considera a situação de vulnerabilidade de crianças e adolescentes. Essa circunstância é ainda mais clara no caso das meninas que são objeto desse julgamento.
Embora o processo corra em segredo de Justiça, sabe-se que elas viviam em condições de extrema pobreza e vulnerabilidade, circunstância que foi usada pelo acusado e que, segundo a interpretação de juristas ouvidos pelos jornais, reduz a possibilidade de discernimento. Além disso, acrescentam os críticos, as decisões judiciais sobre questões delicadas que envolvem pessoas vulneráveis devem levar em conta os aspectos sociais de cada caso.
As mudanças inseridas na legislação em 2009 tiveram como motivação a conveniência de eliminar dúvidas dos juízes exatamente na interpretação da palavra “violência”. Até então, os tribunais discutiam se seria preciso provar a ocorrência de constrangimento físico, ameaça ou fato semelhante para configurar a violência no ato sexual com menores de 14 anos.
Mas a lei anterior já considerava estupro mesmo a relação consensual, levando em conta a presunção de violência em função da desigualdade de recursos entre o perpetrador adulto e a vítima imatura.
Como lembra o representante da ONU, legislações desse tipo foram também criadas em função de tratados internacionais, no esforço global pela proteção de crianças e adolescentes por todo o mundo.
Discussões de botequim
Com todas essas evidências, chega a chocar a alegação do Superior Tribunal de Justiça, que se distancia do raciocínio que se espera dos magistrados e se aproxima do conjunto de preconceitos de gênero e do machismo típicos de discussões de botequim.
Ao perseguir o assunto e dar destaque à polêmica decisão judicial, a imprensa contribui para combater esse resquício de incivilidade que, ao que parece, ainda contamina até mesmo certas cortes de Justiça.
Além do aspecto jurídico, que se configura nessa interpretação controversa da lei, chama atenção o efeito pedagógico invertido, pelo qual os magistrados induzem a considerar aceitável o fato de um adulto procurar meninas de 12 anos para atos libidinosos, ainda que elas estejam na condição de prostituição.
Dirão os cínicos – e essa parece ter sido a interpretação dos juízes do STJ – que essa é a realidade social. O que a imprensa está dizendo é que essa é uma realidade social inaceitável, e não uma condição que deva servir impunemente à vontade e aos impulsos de um adulto.
O processo civilizatório tem esse pedágio: a necessidade de que os indivíduos considerem quanto custa ao outro a satisfação de seus desejos.
O Estado, por meio do Legislativo, procura estabelecer normas claras sobre o que é admissível nas relações interpessoais, mas cabe ao cidadão conhecer seus limites e à Justiça punir os excessos.
Por Luciano Martins Costa
06/04/2012
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